Mais deserções…

mísseis A Voz da Rússia anunciou nesta segunda que mais três grupos (que lá chamam de regimentos) de mísseis antiaéreos das Forças Armadas da Ucrânia  (os 50º, 55º e 147º regimentos de mísseis antiaéreos, localizados em Eupatória, Feodosia e Fiolente) passaram para o lado das autoridades da Crimeia – leia-se, Moscou. 

Segundo o porta-voz da República Autônoma, “no total, mais de 700 soldados e oficiais declararam a sua disponibilidade para defender a população da Crimeia. As unidades de defesa aérea, que passaram para o lado do governo, contam com mais de 20 complexos de mísseis antiaéreos Buk e mais de 30 sistemas de mísseis antiaéreos S-300PS”. Seriam já cerca de 5.500 soldados “ucranianos” a passar para o lado dos russos.

Assim, das 34 unidades militares ucranianas estacionadas na Crimeia, 23 já teriam manifestado lealdade a Moscou. Some-se aí a frota ucraniana (ou ex-frota ucraniana, ou ex-frota soviética do Mar Negro) de Sebastopol que optou por aderir à causa da secessão.

Diante desse quadro, alguém tem dúvida de que a Crimeia deixou de pertencer à Ucrânia? O problema é se o exemplo for seguido pela região leste do país, de maioria russa. Isso acontecendo, a probabilidade de secessão da Ucrânia é  alta. Com o Urso à espreita, as lideranças do governo provisório em Kiev têm muito com o que se preocupar…

Segue artigo da RIA Novosti sobre as deserções…

RIA Novosti

5,500 Ukrainian Soldiers Defect to Serve an Independent Crimea

18:22 04/03/2014

More than 5,500 soldiers have defected from Ukraine’s military to serve the autonomous republic of Crimea, the region’s newly appointed leader said.

 MOSCOW, March 4 (RIA Novosti) – More than 5,500 soldiers have defected from Ukraine’s military to serve the autonomous republic of Crimea, the region’s newly appointed leader said.

Sergei Aksyonov, named prime minister last week in a local parliamentary vote, said Tuesday that talks with unit commanders led to the defections of soldiers to join an independent Crimean military. Continuar lendo

Mobilização e “Atos de Guerra”

ukranian presidentHá muito não vivíamos momentos de tamanha tensão… O Primeiro-Ministro ucraniano declarou mobilização total de suas (frágeis) forças armadas. Disse, ainda, que considera as ações de Moscou uma “declaração de guerra” – termos fortes, ainda mais em um momento de tamanha crise… 

A Crimeia já está ocupada pelos russos, e as lideranças locais declaram-se sob a proteção de Moscou (isso lembrou-me muito a situação em Dantzig, em agosto de 1939). Para complicar mais, o novo comandante da força naval ucraniana, empossado há dois dias, acabou de manifestar lealdade à Rússia e criou-se a “frota da Crimeia” com as naus que estavam em Sebastopol (ao lado da frota russa do Mar Negro) – ontem, eu disse aqui que isso logo poderia acontecer.

_73313166_76e8d616-6be8-4613-9a31-741d2fd20c38No Ocidente, a OTAN repudia a ofensiva russa… mas, por enquanto, fica só em palavras. O problema é que logo a Aliança Atlântica pode-se ver obrigada a agir, com fundamento no acordo de segurança firmado com Kiev há alguns anos. Situação muito parecida com a de Grã-Bretanha e França com relação à Polônia às vésperas da II Guerra Mundial. O apaziguamento tem limites…

Da parte de Washington, John Kerry também usou termos fortes, sobretudo quando vindos de um Secretário de Estado: falou em “atos de agressão” dos russos, dando sinal de que os norte-americanos já estariam considerando a tradicional justificativa “moral” para agir ou para pressionar Moscou mais ainda. O Kremlin, por sua vez, permanece inabalável na defesa dos interesses russos em sua natural área de influência. Parecem tempos de Guerra Fria… Só que Obama não é Kennedy, e tampouco Putin é Krushev. As próximas horas serão decisivas.

ukraine-crisisMobilização, ameaças, segurança coletiva, alianças militares, intervenções militares, atos de guerra, declaração de guerra. Na condição de historiador, fica difícil saber em que época estamos.

Segue matéria muito interessante da Reuters sobre o desenrolar da crise…

Ukraine mobilizes after Putin’s ‘declaration of war’

Photo
4:36pm EST
Reuters – By Natalia Zinets and Alissa de Carbonnel

KIEV/BALACLAVA, Ukraine (Reuters) – Ukraine mobilized for war on Sunday and Washington threatened to isolate Russia economically, after President Vladimir Putin declared he had the right to invade his neighbor in Moscow’s biggest confrontation with the West since the Cold War.

“This is not a threat: this is actually the declaration of war to my country,” Ukraine’s Prime Minister Arseny Yatseniuk said in English. Yatsenuik heads a pro-Western government that took power when the country’s Russia-backed president, Viktor Yanukovich, was ousted last week. Continuar lendo

Ucrânia: o pior ainda não passou…

158772077Os amigos têm-me perguntado sobre minha percepção do que se passa na Ucrânia. Reitero minhas preocupações do post anterior. A crise ainda não acabou…

O país está cada vez mais dividido, pois parece que se organiza uma resistência ao novo governo no Leste do país, de maioria étnica russa. O próprio Yanukovich, abrigado na Rússia, continua se dizendo o legítimo governante da Ucrânia. “Sim”, alguns diriam, “mas é assim que faria qualquer líder deposto em semelhantes circunstâncias”. O problema é que ele fez esse pronunciamento a partir da Rússia. Daí vamos às reflexões:

yanukovich1) Yanucovich, apesar de caído, não está morto. E pode contar com apoio de parte da população e de grupos do Leste da Ucrânia em uma eventual resistência à nova ordem. Nesse caso, é de se esperar que Moscou não fique quieto assistindo…

2) Sim, Moscou pode intervir. Exercícios militares são feitos na fronteira. Tropas estão mobilizadas. E não se deve descartar a hipótese de intervenção militar à velha moda do que acontecia à época do Pacto de Varsóvia – mesmo porque, se a Ucrânia não é como a Geórgia, tampouco é como a Hungria ou a Tchecoslováquia. O país era parte do Império Soviético até 1991. O que estou tentando dizer é que, com a Ucrânia, a situação é mais sensível, os interesses russos são significativos e a coisa pode piorar.

3) Ainda que não haja intervenção militar direta de Moscou, naturalmente o Kremlin o fará não-oficialmente, seja usando seu pessoal de forças especiais, seu aparato de inteligência, sua capacidade de influência na região, ou tudo isso ao mesmo tempo agora! Repito, a Ucrânia era parte do Império Soviético até 1991 e, para algumas lideranças em Moscou (ou na própria Ucrânia), nunca deveria ter deixado de sê-lo.

Sleeve_Insignia_of_the_Russian_Black_Sea_Fleet.svg4) E tem a Criméia… alguém em sã consciência acredita realmente que os russos abririam mão da Criméia? É uma das áreas mais estratégicas para o país! A propósito, no momento em que escrevo, já há tropas russas ocupando Sebastopol e Simferopol… Isso para não falar da frota do Mar Negro… Um amigo que chegou recentemente da Ucrânia mostrou-me as fotos da disposição das frotas russa e ucraniana em Sebastopol – as duas ficam juntas, os navios são semelhantes, pertenciam à frota soviética até 1991… De fato, é só trocar a bandeira e ocupar os navios.

5) Um desfecho pacífico (digo, sem um conflito internacional envolvendo ocidentais e russos) pode ser a fragmentação da Ucrânia… o país pode acabar dividido… Só não creio que será tranquila essa secessão como foi a Revolução de Veludo na Tchecoslováquia, há duas décadas. Sangue correrá,  o país ficará ainda mais fragilizado e o futuro é tenebroso…

839-i7BBd.AuSt.556) Tenho lá minhas dúvidas sobre a reação ocidental quando a coisa esquentar mais e os russos entrarem definitivamente no jogo. Será que a União Européia e os Estados Unidos vão realmente intervir em favor da Ucrânia? Nesse jogo, Putin parece mais seguro e os ocidentais bem hesitantes…

Enquanto escrevo, a situação me faz lembrar o que aconteceu em setembro de 1939, na Europa Oriental… com a invasão da Polônia pelos alemães, em 1 de setembro, os ocidentais, que haviam procrastinado a reação à Alemanha mas empenharam seu apoio a Varsóvia, tiveram que entrar em guerra contra Hitler em socorro desesperado aos poloneses (ou, mais precisamente, à sua própria honra)… Inimaginável uma guerra nos moldes daquela de 1939-1945… Inimaginável europeus ocidentais (ou norte-americanos) entrando em conflito com os russos por causa de um povo e um território que (na visão de muita gente, pertence mesmo aos russos)… Inimaginável uma nova Guerra Fria… Inimaginável?

Bom, se a história realmente se repetir, lembro que em 2014 completa-se um século do desencadeamento do maior conflito armado até então: a I Guerra Mundial… Um século, duas guerras mundiais, uma Guerra Fria se passaram. Será que as lições foram aprendidas?

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