Todos são iguais, mas alguns são mais iguais que os outros…

Neste 17.08.2020, são comemorados os 75 anos do lançamento de “A Revolução dos Bichos” (Animal Farm), obra magistral de George Orwell.

O livro dispensaria qualquer apresentação, mas vale fazer alguns comentários, sobretudo para aqueles das novas gerações que, porventura, nunca tenham ouvido falar desse libelo contra o totalitarismo.

Em “A Revolução dos Bichos”, Orwell narra como ideias revolucionárias são difundidas entre os animais de uma granja, que acabam se unindo para “derrubar” o proprietário, expulsá-lo e transformar a quinta em uma “república”, governada pelos bichos sublevados. Na nova comunidade, normas e princípios são estabelecidos para que seus membros vivam na mais absoluta igualdade… Afinal, “o Homem é o nosso verdadeiro e único inimigo. Retire-se da cena o Homem e a causa principal da fome e da sobrecarga de trabalho desaparecerá para sempre”. Ou também “basta que nos livremos do Homem para que o produto de nosso trabalho seja só nosso”. E, ainda, “o que quer que ande sobre duas pernas é inimigo, o que quer que ande sobre quatro pernas, ou tenha asas, é amigo”.

O lema mais marcante é “todos os animais são iguais”. Só que, como já seria de se esperar, logo a realidade cobra seu preço, e um determinado grupo de animais da granja, os porcos, usam sua inteligência para chegar ao poder e subjugar os demais. Estabelecem um aparato repressor, controlar a produção (que acaba sendo comercializada com o inimigo humano), e seguem constantemente a manipular a narrativa sobre a derrubada proprietário e senhor do lugar, o estabelecimento da granja dos bichos e as normas originais… Em algum tempo, as regras mudam subrepticiamente… Os porcos conseguem uma série de privilégios, execuções de opositores do regime ocorrem, e a sociedade dos bichos é dividida em classes… Assim, “todos os animais são iguais, mas alguns são mais iguais que os outros”. O desfecho é fascinante!

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Escrito como uma denúncia contra o que Orwell entendia como “a deturpação do socialismo”, “A Revolução dos Bichos” é uma brilhante analogia à União Soviética, da tomada do poder pelos bolcheviques ao terror stalinista (inclusive com o controle das mentes da população, os expurgos e a alteração da História). Note-se que, quando é lançado o livro, o mundo vivia o término imediato da II Guerra Mundial, o território europeu encontrava-se sob ocupação por 7 milhões de soldados do Exército Vermelho e o facínora Joseph Stálin estava no auge de seu poder. O Estado proletário dos sonhos de Orwell e de tantos outros socialistas não passava de uma utopia, e totalitarismo aterrorizava milhões de seres humanos sob o signo da foice e do martelo.

Não por acaso, “A Revolução dos Bichos” ficou proibida em todo o bloco socialista. Ainda hoje, o livro permanece na ilegalidade (no todo ou em parte) em alguns países. O autor ali é exitoso ao mostrar como as ideias comunistas não passam de ilusões e que, independentemente de qual seja a sociedade, haverá sempre dominadores e dominados.

A lição de “A Revolução dos Bichos” permanece, assim, atualíssima. Em uma época da pós-verdade, da ditadura do politicamente correto, e da manipulação da narrativa, a história de como os porcos, liderados pelo cachaço Napoleão (a representação do próprio Stálin), tornaram-se os senhores da granja e piores que o opressor humano, deveria servir de alerta aos milhões que bravejam contra o sistema que não compreendem e contra a ordem estabelecida, onde uma adolescente manipulada vira ícone do discurso por mudança, e é usada, com êxito, para formar a opinião de milhões de tolos iludidos…

Aparelhamento da História (ou Da Modificação dos Sete Mandamentos na Parede do Celeiro)

Uma das práticas correntes do regime totalitário soviético dirigido por Josef Stálin era modificar a História, inclusive a História da Revolução Russa e da guerra civil que a seguiu. Não foram poucas as vezes em que se riscou da História (e do mundo real) qualquer referência a pessoas que eram desafetos do Grande Líder, o Camarado Stálin. Era usual modificarem mesmo fotografias, onde pessoas desapareciam de uma hora para outra. Isso aconteceu com o próprio Trostky (vide fotos em que o criador do Exército Vermelho foi apagado). É o que poderíamos chamar de “revisionismo histórico stalinista” (pensei no termo agora, não sei se já existe… deve existir).trotskyapagado

Bom, a verdade é que estão fazendo isso por aqui também. Na prova do processo seletivo para o programa Brasília Sem Fronteiras, a banca colocou uma questão associando o nazismo ao liberalismo e entendeu isso como verdadeiro. Absurdo ideologicamente orientado e falsidade histórica. Para piorar as coisas, um brilhante ex-aluno e bom amigo meu fez rápida pesquisa e descobriu que a referência para a questão foi retirada da wikipedia (isso que você leu!).

Pelo visto, o camarada Stálin fez escola aqui em Pindorama. Continuamos rumo à ignorância e ao retrocesso. Não pude deixar de pensar na passagem da obra magistral de George Orwell, A Revolução dos Bichos (Animal Farm), em que os Sete Mandamentos da Fazenda dos Bichos escritos na porta do celeiro foram paulatinamente alterados pelos procos que governavam o lugar…

Sobre o caso da prova e da associação (errônea) entre nazismo e liberalismo, segue artigo muito interessante do meu amigo Roberto Ellery. Recomendo a leitura atenta. Roberto demonstra que de liberal a agenda nacional-socialista nada tinha. Mas parece que alguém faltou a essa aula de História na banca do Brasília Sem Fronteiras… Ou então a coisa tem sido deliberada (Gramsci explica)… 

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Doutrinação em Questão do Brasília sem Fronteiras?

Roberto Ellery, Blog do Roberto Ellery, 19/05/2014

Espero que seja um mal-entendido, se não for é algo muito grave. Vi no FB uma polêmica em relação a uma questão em uma prova do Programa Brasília sem Fronteiras elaborada pelo CESPE. A afirmação era a seguinte:

“Adolf Hitler presidiu a Alemanhã entre 1933 e 1945, tendo implantado nesse tempo o Nacional Socialismo, também conhecido como nazismo, movimento político e ideológico baseado no nacionalismo, no racismo, no totalitarismo, no anti-comunismo e no liberalismo econômico e político”

O gabarito parece apontar a afirmação como certa. Isto é um absurdo, um despropósito. Que um partido que se chamava Partido Nacional Socialista dos Trabalhadores Alemães tenha por base o liberalismo econômico já seria motivo para levantar desconfiança dos mais atentos. Definitiviamente as agendas socialistas e trabalhistas não encontram abrigo no pensamento liberal, mesmo o nacionalismo não pode ser facilmente encaixado no liberalismo.

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Lindo demais!

Bob Filho2Depois dizem que é implicância minha com o menino – ou com o regime autoritário por ele liderado!… A notícia, se não fosse trágica, seria cômica. Porém, é cruelmente verdadeira, e revela como funciona (?) o país em que venceram os ideais socialistas. E o pior é que, tão surreal quanto a determinação “do corte” a ser adotado pelos homens da Coréia do Norte (nos moldes estilosos de Bob Filho, o pequeno notável), era a regra dos 28 cortes [18 femininos e 10 (!) masculinos] pelos quais os norte-coreanos poderiam optar!!! Sim, há pessoas vivendo sob um regime assim no século XXI.

Quando vejo no Brasil discussões acaloradas, especialmente nos meios acadêmicos e junto à pseudintelectualidade artística e cultural (o que Constantino chama de “esquerda caviar”), e as defesas eufóricas da alternativa “de esquerda” pelas viúvas do socialismo/comunismo, sinceramente fico na dúvida se é ingenuidade, má-fé, ou idiotice pura. Penso na Coreia do Norte e lembro, automaticamente, do romance “1984”. E há quem ainda simpatize por ditaduras como aquela…

26/03/2014 13h21 – POR ÉPOCA NEGÓCIOS ONLINE

KIM JONG UN DETERMINA QUE TODOS UNIVERSITÁRIOS DA COREIA DO NORTE TENHAM O MESMO CORTE DE CABELO QUE ELE

NO ANO PASSADO, O GOVERNO JÁ HAVIA RESTRINGIDO OS CORTES DOS HOMENS EM APENAS ’10 OPÇÕES’

Até o início desse mês, os cidadãos da Coreia do Norte podiam cortar os seus cabelos de acordo com um dos 28 cortes (sendo 18 para as mulheres e 10 para homens) definidos e aprovados pelo governo. Se o fato já soa estranho, agora, o governo coreano limitou ainda mais as opções dos homens, especialmente os estudantes. Segundo a BBC, todos os universitários coreanos serão obrigados a cortar os cabelos no mesmo ‘estilo’ e corte do líder do país, Kim Jong-Un.

A rede de notícias informou que as autoridades do país instituíram a regra há duas semanas, mas só agora a notícia saiu da Coreia.  Além de restringir os cortes, os coreanos parecem não ter gostado nada da única opção que lhes restou. Segundo a BBC – citando um jornal coreano – um cidadão que vivia na capital do país, Pyongyang, e agora mora na China, afirmou que o corte de cabelo de Kim Jong-Un é impopular por aparentemente lembrar o “estilo dos contrabandistas chineses”. De acordo com a BBC, não há a confirmação de que a medida seria estendida a todos os homens da Coreia do Norte.  Continuar lendo

Lições de Estalinismo

???????????Obviamente que em nosso retorno não poderia deixar de tecer considerações acerca de meu caríssimo Bob Filho, sucessor de Chico Cézar, e seu parque de diversões em forma de Estado!

A Coréia do Norte é, indubitavelmente, um país fascinante (e não, não estou sendo irônico!)! Trata-se do último lugar do planeta onde se pode vivenciar a experiência estalinista. Da organização do Estado e da sociedade até as práticas de disciplina e culto ao líder, naquele interessante país milhões de pessoas vivem em outra realidade, a maioria delas completamente alheias ao que se passa no mundo exterior. Daí situações como a alteração nos resultados de jogos de futebol em que a seleção norte-coreana torna-se vencedora, a propagação de verdades como a de que o inventor do tablet foi o Grande Líder (apesar de maioria esmagadora da população não ter a mínima idéia do que seja um tablet) e, o lado mais nefasto, as execuções de “opositores” e os expurgos.

jang_song-thaekE, por falar em expurgo, a notícia mais recente foi da execução de Jang Song-thaek, tio de Bob Filho, e uma das principais autoridades do regime de Pyongyang. Além da execução, no melhor estilo da União Soviética de Joseph Stálin, o tio de Bob Filho foi “apagado” dos registros da Coréia do Norte – nunca existiu. O Secretário-Geral do Partido Comunista da União Soviética gostava disso. Fazia seus opositores desaparecerem não só da vida mas também da lembrança das pessoas e da própria História do país. Expurgo sofisticado!

Jang-Song-Thaek-2909639O acontecimento revela uma rachadura na estrutura do regime. A maneira como o Pequeno Grande Líder reagiu, entretanto, é sinal de que sabem lidar com o problema – ainda que por métodos inaceitáveis para qualquer espírito democrático (o que não é uma preocupação de Pyongyang). Pode-se acusar o rapaz de tudo, menos de inabilidade no trato com os opositores (claro que, novamente, sob o reprovável método das ditaduras). Stálin fez escola, Mao o copiou, Saddam idem. E, Bob Filho, no melhor estilo de líder de regime ditatorial, seguiu a cartilha.

Sem dúvida, laboratório vivo para qualquer cientista político é a Coréia do Norte! É o último baluarte do totalitarismo no planeta. Infelizmente, como todas essas experiências de engenharia social sob orientação ideológica tão cultuadas por intelectuais aqui no Ocidente, tem gente sendo oprimida, sofrendo e morrendo ali, de verdade. Mas, sinceramente, adoraria ir à Coréia do Norte para conhecer o funcionamento daquele admirável mundo novo! Iria apenas para visitar, claro.

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VEJA

Internacional – 16 de Dezembro de 2013 –Coreia do Norte

Norte-coreanos juram lealdade após execução de tio de Kim Jong-un

Pyongyang organizou parada militar que envolveu dezenas de milhares de soldados para mostrar fidelidade das tropas ao ditador

Parada Militar no segundo aniversário da morte do ex-ditador Kim Jong Il, na Coreia do Norte
Parada militar na Coreia do Norte (Reuters)
 

Dezenas de milhares de soldados norte-coreanos mostraram nesta segunda-feira em Pyongyang sua lealdade a Kim Jong-un em um ato para reforçar a unidade em torno do ditador, dias depois da execução de seu tio Jang Song-thaek, acusado de traição. Os soldados carregavam uma faixa vermelha com letras brancas em coreano com o lema: “’Mantemos em alta estima o camarada Kim Jong-un como o único centro da unidade e da liderança”, segundo as fotografias publicadas pela agência estatal do regime, KCNA.

A concentração, que aconteceu em frente ao Palácio de Kumsusan, é um ato aparentemente destinado a proteger o líder e fortalecer a unidade do exército, um dos pilares do regime. O ato ocorre uma semana depois que o governo da Coreia do Norte executou Jang Song-thaek, ex-número dois do país e tio do ditador Kim Jong-un. De acordo com a imprensa estatal, Jang foi executado por vários crimes, entre eles tramar uma conspiração contra seu sobrinho. O meio de comunicação estatal também destacou que o tio do líder tinha criado uma facção política que discordava da linha majoritária do regime. Continuar lendo

Cartazes Soviéticos: Не болтай!

Esta encontrei na página de Delmo Arguelhes no Facebook. Muito interessante e uma fantástica aula de História! Os nazistas podem até ter inventado a propaganda, mas os soviéticos também não ficavam para trás com seus cartazes e palavras de ordem! 

Gosto, particularmente, daqueles feitos durante a II Guerra Mundial (ou Grande Guerra Patriótica para os soviéticos)… Tenho curiosidade para saber como eram os cartazes da época que nazistas e soviéticos eram aliados (entre 1939 e 1941).

Outros que me chamaram a atenção são o do bebezinho (de 1936) com os dizeres: “os felizes nascem sob a estrela soviética!”. Isso no auge dos expurgos! E também há aquele com o retrato de Lênin e os dizeres “o homem mais humano” (de quem estão falando?)… Mas os melhores são os de Stálin: um dizendo que ele é a “luz do comunismo” e o outro com o camarada Stálin botando um papel numa urna e os dizeres “pela felicidade do povo” (três coisas incompatíveis: Stálin, urna e felicidade do povo)! Vale a pena ver todos!

Há um que não está na relação, mas que reproduzo aqui com os dizeres “Não Tagarele!” (Не болтай!), feito à época da II Guerra. 

* * *

A Rede Histórica selecionou 50 posters e pediu para que Irina Starostina traduzisse para o português. Confira o resultado!

A Pátria-Mãe chama!

Para o alto a bandeira do internacionalismo proletário! Continuar lendo

Havel, Kim Jong e histórias de totalitarismo…

Enquanto todo mundo só fala do Grande Líder (que acho que já deve ter morrido há algum tempo, apesar do Politiburo só ter dado a boa notícia agora…), continuo a homenagem deste site a um verdadeiro líder que morreu no fim-de-semana: Václav Havel.

Basta de ficar falando do pequeno ditator do Oriente… Ele já teve mais tempo de fama do que merecia… Melhor lembrar de quem lutou pela liberdade.

Segue um texto de Havel, escrito em 1987 e, naturalmente, censurado pelas autoridades comunistas da então Tchecoslováquia… É longo, mas recomendo a leitura… Afinal, é o testemunho de alguém que conheceu por dentro as “benesses do comunismo” (a partir das prisões para onde essas democracias populares mandavam aqueles considerados ameaças ou inimigos do regime). Vai aí um trecho, apenas para dar o gostinho:

Visitors from the West are often shocked to find that for Czechs, Chernobyl and AIDS are not a source of horror, but rather a subject forjokes.

I must admit this doesn’t surprise me. Because totalitarian nihilization is utterly immaterial, it is less visible, more present, and more dangerous than the AIDS virus or radioactivity from Chernobyl. On the other hand, it touches each of us more intimately and more urgently and even, in a sense, more physically, than either AIDS or radiation, since we all know it from everyday, personal experience and not just from newspapers and television. Is it any wonder, then, that the less menacing, less insidious, and less intimate threats are relegated to the background and made light of?

There is another reason for the triumph of invisibility. The destruction of the story means the destruction of a basic instrument of human knowledge and self-knowledge. Totalitarian nihilization denies people the possibility of observing and understanding its processes “from outside.” There are only two alternatives: either you experience it directly, or you know nothing about it. This menace permits no public reference to itself.

The foreign tourist can form the legitimate impression that Czechoslovakia is a poorer and duller Switzerland, and that press agencies have a legitimate reason for closing their bureaus here: how can they be expected to report that there is nothing to report?

A conclusão é que, no final das contas, a democracia permanece a única opção para garantir dignidade à pessoa humana…

Václav Havel: Stories and Totalitarianism

“Stories and Totalitarianism” (April 1987) was written for the underground cultural journal Jednou nohu (Revolver Review), and dedicated to Ladislav Hejdánek on his sixtieth birthday. In English, it appeared in Index on Censorship, no. 3 (March 1988) and, in a slightly different version, in The Idler, Toronto, no. 18 (July-August 1988). Translation by Paul Wilson.

http://vaclavhavel.cz/showtrans.php?cat=clanky&val=77_aj_clanky.html&typ=HTML

 A friend of mine who is heavily asthmatic was sentenced, for political reasons, to several years in prison, where he suffered a great deal because his cellmates smoked and he could scarcely breathe. All his requests to be moved to a cell with nonsmokers were ignored. His health, and perhaps even his life, were threatened. An American woman who learned of this and wanted to help telephoned an acquaintance, an editor on an important American daily. Could he write something about it, she asked. “Call me when the man dies,” was the editor’s reply.

It’s a shocking incident but in some ways understandable. Newspapers need a story. Asthma is not a story. Death could make it one. Continuar lendo