“O pomo está maduro, colhei-o já.”

Na semana em que se celebra a Independência, minha homenagem hoje é para Sua Majestade Imperial Dona Leopoldina de Habsburgo, a primeira mulher a Governar o Brasil.

Figura histórica excepcional, Leopoldina, filha da mais nobre Casa Imperial da Europa, deixou ainda muito jovem sua terra natal, e veio corajosamente para o Brasil, em virtude do casamento com o herdeiro do Trono de Portugal. Trouxe com ela conhecimentos e tradições do Velho Mundo, por meio dos cientistas e sábios que a acompanharam. Sim, era uma amante da Ciência, com destaque para a Botânica e a Mineralogia. Logo ficou fascinada por estas terras tropicais e por seu povo.

Muito à frente de seu tempo, a austríaca Leopoldina amava o Brasil, e atuou muito por nossa emancipação. Tínhamos nela a grande advogada da causa independentista!  Sem aquela bela Princesa, a história deste País seria bem diferente.

Mulher extremamente erudita, forte, inteligente e determinada, sem nunca perder a amabilidade e a doçura, foi ela quem presidiu a sessão do Conselho de Estado, de 02.09.1822, em que se discutiu o que deveria ser feito diante das cartas que haviam chegado de Lisboa, as quais, de fato, tinham por objetivo fazer com o Brasil voltasse à condição de colônia.

Frente às afrontas portuguesas à autonomia do Reino do Brasil, a seu povo e a seus governantes, a solução encontrada pelo Conselho foi o inevitável: aconselhar Sua Alteza Real, o Príncipe Dom Pedro, a romper com Portugal e proclamar a independência! Chegava-se a essa decisão sob forte influência do sábio José Bonifácio, e, claro, da Regente Leopoldina (segundo os registros, estava ela muito preocupada com os destinos do Brasil, e igualmente entusiasmada com o momento que chegara).

Lavrou-se então uma Ata, datada de 02.09.1822, a qual deveria ser imediatamente encaminhada ao Príncipe (que estava em viagem a São Paulo), aconselhando o rompimento com Portugal. O documento foi assinado por Leopoldina, nossa Regente, e enviado a Dom Pedro, junto com as correspondências portuguesas e cartas de Bonifácio e da Princesa. Iriam encontrar Sua Alteza às margens do Ipiranga, no dia 07.09.1922.

A Carta de Leopoldina a Pedro é, indiscutivelmente, um dos documentos fundacionais da nação brasileira. Deveria ser lida nas escolas, conhecida de toda gente. Sem perder o caráter de uma correspondência de uma amável esposa a seu marido, ela também revela quão estadista era Leopoldina, quão consciente estava da situação a que se chegara, e o quão lúcido e relevante era o conselho que dava a Dom Pedro, sempre pensando no melhor para o Brasil. Transcrevo-a aqui:

“Pedro, o Brasil está como um vulcão. Até no paço há revolucionários. Até oficiais das tropas são revolucionários. As Cortes Portuguesas ordenam vossa partida imediata, ameaçam-vos e humilham-vos. O Conselho de Estado aconselha-vos para ficar. Meu coração de mulher e de esposa prevê desgraças, se partirmos agora para Lisboa. Sabemos bem o que tem sofrido nossos pais. O rei e a rainha de Portugal não são mais reis, não governam mais, são governados pelo despotismo das Cortes que perseguem e humilham os soberanos a quem devem respeito. Chamberlain vos contará tudo o que sucede em Lisboa. O Brasil será em vossas mãos um grande país. O Brasil vos quer para seu monarca. Com o vosso apoio ou sem o vosso apoio ele fará a sua separação. O pomo está maduro, colhei-o já, senão apodrece. Ainda é tempo de ouvirdes o conselho de um sábio que conheceu todas as cortes da Europa, que, além de vosso ministro fiel, é o maior de vossos amigos. Ouvi o conselho de vosso ministro, se não quiserdes ouvir o de vossa amiga. Pedro, o momento é o mais importante de vossa vida. Já dissestes aqui o que ireis fazer em São Paulo. Fazei, pois. Tereis o apoio do Brasil inteiro e, contra a vontade do povo brasileiro, os soldados portugueses que aqui estão nada podem fazer. Leopoldina”.

Essas palavras revelam bastante sobre aquela que pode ser considerada a mãe de nossa independência. Externalizam seu amor pelo Brasil e a grandeza de suas intenções.

Muito ainda precisa ser resgatado da memória de Dona Leopoldina. Muito ainda precisa ser conhecido de nossa História. Nos 200 anos da Independência que se aproximam, precisamos olhar para trás e prestar a devida reverência àqueles homens e mulheres que tanto fizeram por esta terra e por seu povo.

Viva Leopoldina de Habsburgo, Arquiduquesa da Áustria, Imperatriz do Brasil!

Nosso Primeiro Imperador

Continuo a indicar livros por aqui e pelo meu perfil do Instagram. E aproveitando a semana da pátria, minha recomendação de hoje é uma excelente biografia de nosso primeiro Imperador: “Dom Pedro, a história não contada”, de Paulo Rezzutti.

Com um texto claro e leve, Rezzutti conta a vida daquele que é, indubitavelmente, um dos grandes homens de nossa História. E derruba muitas inverdades sobre Sua Majestade, concebidas por seus detratores, alimentadas pelo regime republicano e que encontraram campo fértil na ignorância de um povo que pouco conhece de seu passado e nenhum valor atribui a seus verdadeiros heróis.

Dom Pedro I do Brasil (Dom Pedro IV, de Portugal) é uma figura fascinante. Nascido na Europa, criado na América, amava o Brasil acima de tudo, lutou por nossa emancipação, condenou a escravidão (foram dele e de José Bonifácio os primeiros escritos por aqui a criticar a perversa prática), mostrou-se liberal diante de um mundo absolutista. Governou este País com o pulso firme que era necessário para estabelecer esta jovem nação, e essa firmeza produziu grandes inimigos, que acabaram por obrigar o monarca a abdicar e deixar a terra e a gente que amava.

De toda maneira, ao partir, Dom Pedro I aqui nos deixou seu maior tesouro: aquele garotinho, órfão de mãe, que se tornaria o maior estadista de nossa História. E, com isso, demonstrava mais uma vez o quanto seu coração (que hoje está no Porto), era brasileiro. Sim, porque Dom Pedro e sua esposa austríaca, Dona Leopoldina de Habsburgo, eram mais brasileiros que a absoluta maioria dos governantes que os sucederam no período republicano.

Ele próprio, Pedro I, foi um grande estadista (nos limites dos poucos anos de experiência que consegiu reunir). Apesar de muito jovem, proclamou nossa independência, organizou e uniu vários “Brasis” em um único Estado, outorgou-nos a Constituição mais legítima e duradoura. Impetuoso, galanteador, obstinado, seu legado entendeu-se pelas gerações seguintes. E tudo isso alcançado em pouco mais de três décadas de vida!

Tenho muita admiração por Dom Pedro I, e o livro de Rezzuti contribuiu para que ela aumentasse mais ainda. Precisamos conhecer mais sobre nosso primeiro monarca, cujo título que mais amou foi o de “Defensor Perpétuo do Brasil”.

Esquecer jamais!

A data de hoje é marcada por dois episódios, separados por exatos 196 anos, os quais deveriam estar na memória de todos os brasileiros (infelizmente não estão). Enquanto o primeiro constitui um momento de glória de nossa história, o outro, mais recente, revela o nosso total desprezo pelo passado e o quanto ainda precisamos evoluir para chegarmos a um nível mínimo de civilização.

02.09.1822. No Palácio de São Cristóvão, a Princesa Regente do Reino do Brasil, Dona Leopoldina de Habsburgo, reúne o Conselho de Estado para deliberar sobre cartas que haviam chegado alguns dias antes de Lisboa. Aquelas missivas determinavam o retorno imediato do Príncipe Regente, Dom Pedro de Bragança, a Portugal, a dissolução do Reino como ente autônomo, e a prisão daqueles que eram próximos ao Regente e defendiam a causa emancipatória brasileira, com destaque para José Bonifácio de Andrada e Silva, Ministro do Reino. Com isso, tornar-se-ia, de fato, o Brasil uma colônia, e o povo que aqui vivia seria subjugado pela vontade das Cortes portuguesas.

Reunido o Conselho, chega-se a única solução possível: lavra-se uma Ata, assinada com grande satisfação pela Princesa, em que se recomenda ao Príncipe, que estava em viagem a São Paulo, o rompimento definitivo dos laços com Portugal: o Brasil deveria se tornar independente, assim o aconselhavam os ministros, endossados pela Regente.

Produzida a Ata, esta é enviada, juntamente com os documentos de Lisboa e cartas da Princesa e de Bonifácio, ao jovem Pedro. As referidas cartas podem ser resumidas em uma única mensagem: “chegou a hora, proclame a independência do Brasil!”.

Alguns dias depois, em 07.09.1822, às margens do Riacho do Ipiranga, ao receber as correspondências, decide Dom Pedro dar o brado de emancipação: “Independência ou morte!” – e o Brasil entrava em uma nova fase.

Sem qualquer dúvida, aquela reunião do Conselho de Estado, presidida por Leopoldina, a primeira mulher a governar este País, foi decisiva. Ali foram gestadas a Ata e as cartas que levaram à nossa independência. Foi ali, portanto, que começou, alguns dias antes, o 7 de setembro.

02.09.2018. Transcorridos exatos 196 anos daquele glorioso episódio, a História do Brasil seria marcada por um evento funesto: no mesmo Palácio onde Leopoldina e o Conselho haviam feito o movimento inicial de nossa emancipação, um incêndio criminoso (porque não se pode dizer outra coisa daquele acontecimento) destruiu o edifício histórico e pôs fim a um acervo de valor incalculável. Com o incêndio do Museu Nacional, desaparecia uma parcela importantíssima de nosso passado, mas também de nosso presente, apagando-se, ademais, o futuro de todo um povo.

Naquele triste domingo, há dois anos, chorei. E chorei copiosamente. Chorei pela forma como tratamos nosso patrimônio histórico e cultural. Chorei pelo descaso com a coisa pública e com nossa História. Chorei pelo desprezo e pela ignorância para com aqueles que nos antecederam e labutaram para (tentar) construir uma nação. Chorei pela impunidade que ainda permanece. Chorei porque ali mostramos ao mundo que somos um povo que não merece a independência conquistada.

Hoje continuo de luto. Luto pelo Brasil e pelo nosso atraso com nação, como povo e como civilização. E deixo aqui meu registro de que os episódios ocorridos ali na Quinta da Boa Vista, entre tantos outros, não devem jamais ser esquecidos.