30. Direito e Ceub (27/11/2014)

A justiça sem a força é impotente, a força sem justiça é tirana.
Blaise Pascal

Concluí o curso de Relações Internacionais sem grandes perspectivas profissionais. Apesar de tremendamente interessante pelo currículo e excelente para a formação humanística, em termos práticos, Relações Internacionais se revelaria um grande fiasco. E lá estava eu, com 20 anos, um impoluto diploma por uma das melhores universidades do País e… desempregado! Não seria simples sair das estatísticas com um título de bacharel em algo pouco conhecido no Brasil. Tinha que fazer alguma coisa.

Em meu penúltimo semestre na UnB, talvez já instintivamente percebendo as dificuldades que adviriam nos próximos anos, resolvi prestar vestibular para Direito naquela que era considerada a melhor faculdade particular do DF: o então Centro de Ensino Unificado de Brasília (CEUB). Não estava muito convicto de que gostaria de ser advogado, mas meu pai insistiu e fui fazer as provas. Fiz o vestibular e esqueci completamente do episódio – estava mais preocupado em concluir meu bacharelado em Rel (como nós na UnB chamamos Relações Internacionais).

Havia esquecido completamente do vestibular do CEUB. Afinal, não estudara para as provas e não pensava na carreira jurídica… Então, fizera os exames admissionais por fazer. Mas a boa surpresa chegaria de forma inusitada…

Estava em casa e um colega me telefonou. “Parabéns, cara!”, disse ele, “você passou para Direito!”. Ele vira meu nome na lista dos aprovados e perguntava se eu não iria fazer a matrícula, pois o prazo estava se encerrando. Naquela época não havia internet como hoje (estou falando de 1994!) e a divulgação dos resultados dava-se pelo jornal ou nas listas afixadas na faculdade – foi onde meu colega viu meu nome. Nesse sentido, uma vez que “Joanisval” não encontra homônimos no mundo civilizado, só poderia ser eu mesmo! E fiz a matrícula.

Não consegui aproveitar muito bem meu curso de Direito. Como já trazia algumas disciplinas da UnB, minha grade curricular no Ceub era sempre complicada… Estava usualmente em dois ou três semestres ao mesmo tempo. Ademais, tive que suspender o curso algumas vezes, pois não tinha dinheiro para pagar, ou estava concluindo meu Mestrado, ou com problemas pessoais. Enfim, levei cerca de 8 anos para concluir o curso de Direito, passei por três currículos distintos e nunca estive plenamente inserido em um semestre específico, com uma turma própria. Isso acabou sendo valioso, pois conheci muita gente na trajetória, e boas amizades foram ali moldadas – muitas da quais perduram até hoje.

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Mas foi no segundo semestre de 1996 que, retornando aos estudos, encontraria a “turma” que acabaria adotando como minha. O pessoal estava, creio, no quarto semestre. Gente muito simpática e aberta aos “novatos” que apareciam. Logo fiz amizades. Com eles seguiria mais ou menos até o fim do curso (que acabariam cerca de um ano e meio antes de mim) e faríamos juntos muitas disciplinas. Essa boa gente acabaria marcando minha vida – dali saíram meus grandes amigos do curso de Direito e aquela com quem viria a me casar e ser a mãe de meus filhos. Pois é! Conheci minha esposa na faculdade e cursamos Direito juntos. Isso por si já seria mais que suficiente para justificar minha passagem pelo Ceub, né?

Concluí o curso de Direito no final de 2001. Recuperando as memórias e refletindo sobre a segunda graduação, posso asseverar, sem qualquer sombra de dúvida, que a melhor coisa que fiz foi cursar Direito, e no Ceub!

Costumo recomendar Direito a todo mundo, inclusive como segunda graduação. Direito nos dá base sólida para a vida em sociedade e, apesar das dificuldades inerentes às carreiras jurídicas, é um curso que tem excelentes perspectivas profissionais. Pelo menos comigo foi assim. Graças ao Direito, tive a preparação necessária, por exemplo, para conseguir ser aprovado nos concursos que me levaram ao serviço público. E, associando os conhecimentos jurídicos à capacidade reflexiva e conhecimentos oriundos de Relações Internacionais, consegui, finalmente, boa formação acadêmica e prática. Devo, enfim, parte importante de meu êxito profissional ao curso de Direito.

Não me considero um profundo conhecedor das Ciências Jurídicas, pelo contrário. Como meu curso foi muito esparso, não aproveitei tanto as disciplinas e o conhecimento extremamente bem transmitido pelos meus mestres – muitos dos quais se tornaram grandes amigos! De Direito Civil, entendo pouco, pois meu Código ainda é o de 1916. Já sobre Direito Comercial, apesar das excelentes aulas do amigo Marcus Palomo, sei muito pouco. Com Trabalho e Previdenciário nunca tive muita afinidade. Processo Civil era extremamente complexo, e irritavam-me os recursos de natureza absolutamente protelatória – entretanto, gostava da parte prática e estratégica de processo civil e trabalhista. Tributário sempre foi bom para ganhar dinheiro, mas exige conhecimentos muito específicos, restritos a iniciados.

Gostava mesmo era de Direito Público. Penal e Processo Penal atraíam-me e cheguei mesmo a advogar um pouco nessa área – o problema era a clientela… Mas a afinidade mesmo foi por Direito Constitucional e Administrativo. A paixão, naturalmente, pelo Direito Internacional! E foi por aí que segui carreira, vindo mesmo a, como muita honra, lecionar na área…

Devo muito a meu curso de Direito e tenho um carinho extremo com o CEUB, hoje Uniceub. Se a UnB é minha Alma Mater, o Ceub é uma instituição constante em minha vida: é a faculdade onde meus pais estudaram, onde estudei, conheci a mãe de meus filhos, e onde me tornaria professor. Já ia ao Ceub quando criança, acompanhando papai às aulas de Direito. Adoro o lugar, que tem uma vibração distinta daquela da UnB (não melhor ou pior, distinta). Passei bons anos naqueles prédios e ali vivi grandes experiências. Fiz muitos amigos entre colegas, professores e alunos. O Ceub é, portanto, parte de mim.

Faltando 11 dias para meu aniversário, resolvi escrever sobre o Ceub (desculpem os mais novos, mas continuarei chamando o Uniceub de Ceub). Afinal, se parar para calcular, destes últimos 40 anos, ao menos metade deles estive no Ceub, na condição de aluno ou professor. Minhas primeiras aulas de Direito foram lá quando, repito, ainda criança ia acompanhar meu pai que ali estudava. Ali, meu primeiro professor de Direito foi o caríssimo [e saudoso] Antônio Guimarães Neto, a quem dedico uma parte especial desta crônica. Lembro das aulas de Direito Penal com o Professor Guimarães, as quais eu, uma criança de 8, 10 anos, assistia atento. Teria a felicidade de ser aluno do Professor Guimarães quando eu próprio cursava Direito, ocasião em que percebi que, mais do que nos ensinar sobre as Ciências Criminais, Guimarães nos orientava e nos formava como juristas, inclusive com sábios conselhos até de como se portar perante clientes, autoridades, pares e sociedade. Lições assimiladas e que permanecem vivas. Por coincidência, e sob aquela perspectiva de que a Providência sempre coloca pessoas fundamentais em nosso caminho, foi por intermédio do Professor Guimarães que comecei a lecionar no Ceub. Sim! Ele me convidou e me deu essa grande honra e satisfação! Ser-lhe-ei eternamente grato pela oportunidade!

Não tenho qualquer inclinação para poesia. Se tivesse e fosse possível fazer uma ode a uma instituição, o Ceub certamente estaria entre minhas escolhas. Difícil explicar o carinho que sinto por aquela casa. Só sei que é imenso. E hoje, cada vez que entro nas salas de aula do Bloco III do Ceub, é indescritível a satisfação e a emoção! Sim, porque cada aula ministrada é uma experiência única, geralmente de “recarga da bateria” após um dia de trabalho. E no Ceub essa sensação é ainda melhor! Afinal, leciono na instituição em que me graduei! E sigo com a missão de tentar transmitir, da melhor maneira possível, o conhecimento que tão bem me foi passado pelos mestres ali naqueles bancos. É muito bom ser docente do Ceub e fazer parte dessa cadeia de transmissão do saber jurídico, em que me preocupo não em formar “operadores do Direito” (termo que detesto), mas juristas.

Gosto de lecionar. Gosto do Ceub. Gosto de lecionar no Ceub. E encerro o texto de hoje agradecendo muito a todos que passaram pelo meu caminho ali naquela instituição tão querida! Minha gratidão a pessoas como Guimarães, Marcus Palomo, Rossini Corrêa, Any Ávila, Paulo Thompson, Sílvio Cirilo, Stefânia Viveiros, Flávio Salles, Túlio Arantes, Tarcísio de Carvalho Neto, Ademar Vasconcelos, e tantos outros que me ensinaram sobre o Direito. Minha gratidão a todos os meus alunos, pois com vocês nós aprendemos. Agradeço, ainda, a meus colegas e amigos que estiveram comigo durante os 8 anos e graduação e aqueles com quem hoje tenho a honra de partilhar a sala dos professores, a secretaria, o campus do Ceub. Enfim, meu muito obrigado aos mestres, aos alunos, aos colegas e aos amigos! E vamos adiante!

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27. Fomos tão jovens! (24/11/2014)

Olhai para as aves do céu, que nem semeiam, nem segam, nem ajuntam em celeiros; e vosso Pai celestial as alimenta. Não tendes vós muito mais valor do que elas?
Mateus 6: 26

Aos 20 anos, concluí a graduação em Relações Internacionais. Formei-me em julho de 1995, seis meses antes de minha turma. Consegui a proeza de cumprir 188 créditos em três anos e meio, 24 a mais do que os exigidos para o curso à época (164 créditos).

Éramos doze formandos dos cursos de Relações Internacionais e Ciência Política, dos quais dez mulheres (viva!). Apesar de não ser minha turma original, os formandos eram todos colegas e alguns bons amigos – o currículo dos cursos da Universidade de Brasília nos permitia um trânsito em vários semestres, de modo que era usual fazermos disciplinas com colegas de semestres anteriores e posteriores aos nossos.

Um fato marcante da formatura é que fui escolhido para orador da turma. Preparei um discurso para ser lembrado, buscando referência a nossa formação, à importância das Relações Internacionais e da Ciência Política, aos valores que nos foram ensinados, aos amigos que fizemos. Busquei sair do lugar comum dos discursos de formatura. E deu certo! O discurso foi marcante, muita gente chorando, emoções afloradas. Foi minha primeira e feliz experiência falando para mais de uma centena de pessoas! Cerca de quinze anos depois, recuperaria muito do que disse a meus colegas formandos em um discurso aos bacharéis da primeira turma em Relações Internacionais que me honrou com o convite para padrinho. As mesmas palavras tiveram impacto semelhante. Afinal, como certa vez me ensinou um Mestre rosacruz, “o que passa não é”.

Encerrava minha primeira graduação com muitos sonhos e poucas perspectivas. Apesar do excelente histórico acadêmico, dos programas de iniciação científica, e da disposição para trabalhar, naquela primeira metade da última década do século XX a procura por profissionais de Relações Internacionais no Brasil era praticamente inexistente. Poucos conheciam a graduação e as competências do profissional de Rel (como nós da UNB conhecíamos o curso), e eram raríssimas as ofertas de trabalho, tanto no setor público quanto na iniciativa privada, para um “bacharel em Relações Internacionais”. A maior parte de nós acabaria não trabalhando na área…

Formatura de Rel

Quanto a mim, esperava fazer uma grande viagem após o curso. Meus pais haviam-me convencido a não trabalhar durante a graduação e fazer o curso intensamente para concluir logo. Foi-me feita uma promessa de que seria por eles agraciado com essa sonhada viagem, por meio da qual poderia adquirir alguma experiência no exterior. Naturalmente, a viagem ficou só na promessa – não culpo meus pais, eles não tinham recurso para me ajudar com aquilo; fui ingênuo e bobo acreditando naquele sonho que, de fato, não se poderia concretizar dadas as minhas condições econômico-financeiras… mais uma lição dolorosamente aprendida! Que bom! Afinal, o que não mata, fortalece. E minha vontade de atuar no plano internacional só aumentaria.

Os meses que se seguiram à formatura não foram fáceis. Estava agora com um diploma de um curso superior muito exclusivo e de uma das mais renomadas universidades do País. Adiantou-me pouco. Entrava para as estatísticas do desemprego. Como ainda vivia com meus pais, não tinha muitas contas a pagar, e busquei diferentes maneiras de ganhar dinheiro: dava aulas particulares de francês, fui auxiliar de pesquisa do Professor Amado Cervo (uma sumidade na nossa área), com quem aprendi muito, fazia algumas traduções, e trabalhei como representante comercial de software de contabilidade – época divertida, quando rodei o Distrito Federal tentando vender software para todos os escritórios de contabilidade da região (gastei quase toda a sola de meu único par de sapatos)! Consegui algum êxito, o que me ajudava a pagar minha segunda graduação em Direito, no Ceub (hoje, Uniceub). Também busquei prestar alguns concursos públicos, experiência que contarei em outra oportunidade destas crônicas dos meus 40 anos.

Ao final do ano de 1995, resolvi tentar o Mestrado em Relações Internacionais da UnB. Pretendia continuar a carreira acadêmica, já tinha experiência em pesquisa científica (fora bolsista em um programa do Departamento de Economia, sob orientação de Flávio Rabelo Versiani, expoente na História Econômica do Brasil, trabalhara com Amado Cervo, e fui o terceiro aluno da história do curso de Relações Internacionais a fazer uma monografia de final de curso – que, à época, era optativa). Ademais, inscrevia-me para uma pós-graduação na instituição onde havia cursado a graduação e concluído com louvor o curso no próprio Departamento de Relações Internacionais. Continuaria estudando em minha Alma Mater!

Meu projeto de pesquisa para o Mestrado, lembro bem, era sobre “possibilidades de conflito no Oriente Médio e na Ásia Central no início do século XXI, e o risco do acirramento da presença estadunidense na região”. A temática, portanto, envolvia a essência das Relações Internacionais (a guerra e a paz). Fiz as provas, sendo nelas aprovado. Faltava apenas a entrevista em que discutiriam meu projeto. Grandes expectativas. E mais uma frustração adviria…

Na entrevista, os membros da banca me questionaram sobre o projeto. Era 1995, e os temas comuns de pesquisa eram meio ambiente, direitos humanos, a recém-criada Organização Mundial do Comércio e o liberalismo nas relações internacionais, Mercosul e integração regional. Guerra, Geopolítica (assunto proscrito à época) e Segurança Internacional estavam fora de cogitação aqui no Brasil. E ouvi de um dos membros da banca que “seria inconcebível uma hipótese de conflito no Oriente Médio e na Ásia Central no início do século XXI, ainda mais com uma intervenção armada dos Estados Unidos!” (isso mesmo que vocês leram… nunca me esqueci daquelas palavras). Recordo que o professor Argemiro Procópio argumentou com veemência em meu favor – nunca fora aluno dele, mas acho que percebeu que eu tinha potencial. A banca, ao contrário, não achava minha pesquisa pertinente… Afinal, como alguém poderia imaginar uma situação como aquela no século XXI, que estava por chegar em um ambiente internacional globalizado e de pós-Guerra Fria? Resumo da ópera: não fui aceito no Programa.

Confesso que fiquei muito frustrado à época. A impressão que tinha era de que todo o esforço na graduação, com excelentes notas ao longo do curso, com atividades extracurriculares e muito estudo, de nada me adiantaram. Relações Internacionais não me serviria para nada mesmo, acreditava eu! Nunca havia comentado sobre isso com alguém, mas me senti mal com o episódio…

Não obstante, o Sol sempre nasce no dia seguinte… Continuaria tocando a vida… E aprenderia com o episódio, simples assim! Nós rosacruzes sabemos que nada acontece por acaso, e o que era meu já me estava reservado. Em 1997, acabaria sendo aceito no Mestrado em História da UnB, linha de pesquisa de História das Relações Internacionais… Minha dissertação seria sobre o Tribunal de Nuremberg, tema absolutamente inédito na academia brasileira. Concluiria o mestrado com louvor, aqui assinalando minha gratidão à mui querida orientadora, Professora Albene Menezes (germanófila e historiadora de tremenda competência, uma orientadora e interlocutora sensacional, e uma grande amiga!), ao Professor Antônio Augusto Cançado Trindade (à época magistrado da Corte Interamericana de Direitos Humanos e hoje o juiz brasileiro na Corte Internacional de Justiça), que acabou se tornando uma espécie de coorientador e fundamental para a qualidade de nossa pesquisa, e aos estimados professores Rossini Corrêa e Amado Cervo, presentes ao longo do Mestrado e na banca final. Foi um trabalho muito interessante e daria origem a meu primeiro livro, “Tribunal de Nuremberg, 1945-1946: a Gênese de uma Nova Ordem no Direito Internacional” (Rio de Janeiro: Editora Renovar, 1ª edição, 2001, 2ª edição, 2004), com prefácio de Cançado Trindade, e primeira obra escrita por um lusófono sobre o maior julgamento da história. O livro renderia bons frutos e me faria conhecido nesse campo do Direito Internacional dos Conflitos Armados. Enfim, há males que vêm para o bem…

Depois do Mestrado, continuaria a vida acadêmica com quatro especializações (em Inteligência de Estado, em Direito Militar, em História Militar, e em Integração Econômica e Direito Internacional Fiscal), e o Doutorado (este sim no Departamento de Relações Internacionais, quando fui aprovado em primeiro lugar no concurso de admissão… outros tempos!). E o menino que alcançara a maioridade civil antecipadamente (o Código Civil da época estabelecia a possibilidade em razão de conclusão de curso superior), concluiria um Doutorado, o primeiro da família (pelo lado de papai e pelo de mamãe) a fazê-lo! O tema do Doutorado? Atividade de Inteligência – nunca deixaria o campo da Segurança Nacional e da Defesa… Em tempo: minha gratidão ao meu orientador, que se tornou um bom amigo, Professor Eduardo Viola, aos professores George Felipe de Lima Dantas e Eiti Sato, e aos queridos amigos Paulo Roberto de Almeida e Carmen Lícia Palazzo – todos de extrema importância naquele processo de amadurecimento como pesquisador.

Essas histórias da graduação e pós-graduação que compartilho com os amigos, faltando 14 dias para o meu aniversário de 40 anos, têm por objetivo, além de registrar minhas impressões pessoais sobre as primeiras décadas de vida (estou gostando disso!), ilustrar como a vida muitas vezes nos coloca em situações difíceis e frustrantes, mas que são fundamentais para que cresçamos, em um processo evolutivo que não permite retrocesso. O segredo, ao menos assim tenho aprendido, é nunca desanimar, perseverar nos objetivos, e seguir adiante, consciente de que, se não deu certo, é porque não era para ser…

Importante, ainda, buscar no Mestre Interior inspiração para fazer as escolhas adequadas, e no D’us do coração, no D’us da compreensão de cada um, a força e a confiança para continuar a jornada, com a certeza de que Ele não nos desampara! – ensinamentos rosacruzes que têm que ser vividos! Como disse o Mestre Jesus, “buscai primeiro o reino de D’us e a sua justiça… e tudo mais vos será acrescentado”. Acredito nisso.

Hoje compartilho as fotos de minha primeira formatura, em julho de 1995. Há uma com os que se formaram comigo. Mas fiz questão de colocar também duas fotografias da festa de formatura de minha turma de ingresso na faculdade (minha turma de fato), realizada seis meses depois – em uma delas é possível ver os três valetes juntos!

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25. Los tres Valetes (22/11/2014)

Mais vale ter amigos que tesouros acumulados.
Provérbio russo

O que leva determinadas pessoas, entre as mais de 7,5 bilhões que povoam o planeta, a se encontrarem com outras especificamente, e tornarem-se grandes amigos? Os místicos sabem que o acaso não existe, daí minha plena convicção de que cada ser humano que cruza meu caminho não o faz aleatoriamente e que nos encontramos (ou reencontramos) porque somos parceiros de caminhada e nos ajudaremos (consciente ou inconsciente) a aprender algo na vida. Dessa maneira, há aqueles que aparecem, juntam-se a nós na jornada por um tempo, e depois somem de maneira indeterminada (ao menos para os que não conhecemos os desígnios do Criador). Outros amigos permanecem sempre conosco, independentemente de estarem fisicamente ao nosso lado, e nossos caminhos se cruzam com frequência. Convém ter em mente que as duas categorias de pessoas são relevantes em nossa vida.

Hoje, a 16 dias do aniversário, e ainda escrevendo sobre a primeira Graduação, dedico a crônica dos meus 40 anos a duas figuras ímpares que conheci ao chegar à Universidade de Brasília para cursar Relações Internacionais: Mario Jorge e Maurício. Formaríamos um triunvirato, unidos para começar a caminhada naquela fase importante de nossa vida. Viveríamos situações inusitadas, dentro e fora da UnB.

Tínhamos praticamente a mesma idade. Maurício era alguns meses mais velho, e Mário o mais novo. Vínhamos de origens bastante distintas, mas, por alguma razão que a razão desconhece, descobriríamos muitas coisas em comum que acabariam nos aproximando. Nos anos que se seguiriam, estaríamos juntos para apoiar e criticar um ao outro, vivenciando situações como os porres de um (enquanto os outros dois não bebiam – claro que não contarei de quem foi), as namoradas (e o fim de namoros), a tomada (com estratégia) do Centro Acadêmico (em uma eleição vitoriosa sobre a chapa da situação), as festas, a pressão dos estudos e as inúmeras disciplinas, uma viagem a Cabo Frio, meus primeiros momentos aprendendo a dirigir (com o quase acidente na Brasília amarela), e a formação de “Los tres Valetes”.

Mário, o Mariozinho, conheceria logo na pré-matrícula. Lembro como se fosse hoje: chegando para conversar com o coordenador do curso e escolher as disciplinas, topei com ele e outro colega nosso, o Bruno, pois os dois já se conheciam do Colégio Militar de Brasília. Começamos a conversar e dali surgiu uma grande amizade. Mariozinho, cabeça de piloto, era o mais racional dos três valetes, vinha de uma família de militares (o bisavô foi um general importante do período militar, que alcançara a presidência da república) e chegou a ingressar na Academia da Força Aérea. Muito inteligente e centrado, fizemos várias disciplinas juntos, tínhamos identidade ideológica (estávamos entre os poucos que se declaravam mais à direita – bem à direita, diga-se de passagem – naquele mar de cultura esquerdista), e compartilhávamos muitos pontos de vista. Certa vez, decidimos cursar Cálculo I como disciplina optativa e lideramos um movimento de vários colegas de Relações Internacionais a essa empreitada insana – ao menos para a maioria de nós, que mal conhecia as operações básicas. Resultado: ao final do semestre, só o Mário, sua namorada – nossa colega de curso –, e eu concluímos a disciplina. Para mim foi gratificante, pois consegui cursar Cálculo, concluir a disciplina com êxito e confirmar, definitivamente, minha total incompetência para a Ciência Pitagórica!

Outro episódio que ficou na memória ocorreu quando eu e Mário compramos um pequeno dicionário de russo (um exemplar para cada) na livraria da UnB. Começamos a estudar o cirílico e a aprender algumas palavras. Passamos a escrever em cirílico. Sentávamo-nos no fundão da sala nas aulas mais chatas e ficávamos jogando forca em russo. Coisas de gente de Relações Internacionais…

Lá pelo meio do curso, Mário começou a cursar Direito em outra faculdade. Iria se tornar um competente advogado, depois de passar algum tempo como piloto privado (sim, porque sempre foi fascinado por aviação), até que prestaria concurso para juiz aqui no Distrito Federal. Hoje, meu amigo é magistrado – e fico feliz com isso, pois sei que o Poder Judiciário do DF conta com um juiz altamente competente e, acima de tudo, absolutamente íntegro. Em tempo: foi Mário o grande responsável, junto com meu pai, a me instigar a cursar Direito. Devo a eles essa decisão fundamental para minha vida. Continuamos a nos encontrar com frequência para longos almoços ou degustações de cerveja juntamente com outro amigo e irmão dos tempos da universidade (o quarto elemento do trio), meu caríssimo Ricardo Nery. O que posso dizer de Mariozinho é que ele foi um irmão que encontrei na universidade.

O segundo dos três valetes, Maurício, era filho de um servidor do Banco Central (não lembro o que fazia sua mãe). Maurício era um sujeito que tinha o coração duas vezes maior do que ele. Amigo de toda hora, era o emotivo do grupo, brincalhão, permanentemente sorridente. Era aquele amigo que sempre tinha uma boa piada para contar, ou uma mensagem reconfortante quando estávamos chateados com alguma coisa. Não ligava muito para política estudantil e era bem mais moderado que Mário e eu. Mas estava junto se precisássemos dele! Lembro que, depois da vitória em uma difícil eleição para o Centro Acadêmico de Relações Internacionais (em uma chapa construída por Mário – o tesoureiro – e eu – vice-presidente –, mas da qual Maurício não participou diretamente), tivemos que mudar as instalações do CA. E quem carregou os armários, livros e toda a parafernália de um lado para outro fomos eu, Mário… e Maurício! Parece uma história boba, mas foi marcante o peso daqueles armários, só superado pelo dos desafios que tivemos que enfrentar em nossa gestão.

Maurício foi quem me ajudou muito quando estava aprendendo a dirigir. Dava-me dicas de como conduzir um veículo – detesto dirigir – e se aventurava a bordo de uma Brasília amarela que meu pai tinha e com a qual comecei a dar minhas primeiras voltas de carro. A Brasília, primeiro carro que papai comprara na vida, alguns dias antes do Plano Collor, era mais velha que nós, mas servia bem a nosso propósito. Certa vez, Maurício e Mário foram comigo para a zona rural de Sobradinho (no antigo polo de Cinema e Vídeo), para que eu, ainda com a carteira de motorista recém-tirada, pudesse treinar um pouco com o carro. Mário vestido com macacão de piloto, com uma câmera na mão. Comecei a dirigir na estrada de piçarra. Despenhadeiros de um lado e do outro (sim, porque Sobradinho é uma região serrana aqui no DF). Segue para cá, segue para lá. Em determinado momento, perdi o controle da direção. A Brasília rodou conosco. Meu Anjo da Guarda, sempre atento, segurou o veículo. Depois de umas voltas, a Brasília parou na beira de um precipício. Aquela tinha sido por pouco. Claro que foi tudo filmado. Mas a imagem que melhor ficou foi na memória: nós três dentro do carro, girando em alta velocidade e parando à beira do precipício. Foi tenso, mas divertido. E, prova inconteste de amizade, mesmo depois desse evento inusitado, os dois ainda continuaram me dando aulas de direção…

Também viajamos juntos. Fomos os três passar uns dias em Cabo Frio. Aproveitamos bastante, vivemos situações singulares e nos divertimos muito. Paro por aqui. O que aconteceu em Cabo Frio fica em Cabo Frio, hehehehe!

E por que “los tres valetes”? Outra boa história… Já para o fim do curso, descobrimos que sabíamos cantar. Não tocávamos nenhum instrumento, a não ser nossos dedos que estalávamos, mas conseguíamos cantar bem à capela. Cantávamos nos intervalos das aulas, na hora do almoço, sempre que tínhamos um tempinho em meio à correria do final do curso. E até que fazíamos algum sucesso – sobretudo quando vinha algum professor de dentro da sala de aula pedir para que nós, nos corredores da FA, parássemos de cantar! E cantávamos de tudo: Tom Jobim, Vinícius, Beatles, MPB em geral… Quando não sabíamos a letra (e geralmente conhecíamos pouco), íamos à la Ray Conniff… Eu, geralmente, fazia a primeira voz, e Mário e Maurício acompanhavam. Éramos “Los tres valetes”: Maurício, o valete de copas, Mário, o de ouro, e eu, o de espada (ninguém queria o valete de paus!). E nos divertimos bastante! Chegamos até a cogitar cantar na formatura!

Como todo ciclo, nosso período de faculdade acabou. Eu me formei um semestre antes de Mário e Maurício – adiantei meu curso e o concluí em três anos e meio. Acabaríamos nos separando, cada um seguindo seu rumo. Maurício já saía empregado na Embaixada da Argentina e, praticamente, casado. Mário continuaria seu curso de Direito, e passaria um tempo como piloto, rodando o mundo em jatinhos. E eu, bem, eu, com um diploma de bacharel em Relações Internacionais e sem qualquer perspectiva profissional, buscaria um rumo na vida… E “los tres valetes” chegava a seu fim.

Como disse, ainda continuo em constante contato com Mariozinho. Nossa amizade permanece mais firme do que nunca. Perdi completamente o contato com o caríssimo Maurício. Tentei encontrá-lo nas redes sociais e pela internet, sem sucesso. Espero, sinceramente, conseguir reencontrar esse bom amigo nos próximos 40 anos. E, quem sabe, possamos relançar nas paradas “los tres valetes”!

[Em tempo: no meu aniversário de 40 anos, restabeleci o contato com o querido amigo Maurício! Coloco aqui uma foto nossa, com 25 anos e alguns quilos de diferença. O próximo passo é a volta de “los tres valetes” ao mundo da música!]

Los tres valetes

24. Universidade (21/11/2014)

A coisa mais indispensável a um homem é reconhecer o uso que deve fazer do seu próprio conhecimento.
Platão

Tinha acabado de completar 17 anos. A notícia da aprovação para o concorrido curso de Relações Internacionais ainda não fora plenamente assimilada. Afinal, começava uma nova e importante fase de minha vida: tornava-me universitário!

Pré-matrícula: chegávamos perdidos, éramos calouros. Gente diferente. Escolha de disciplinas. Pilhas de papel com ofertas de cursos. E o primeiro contato com os novos colegas.

Nossa turma era pequena, 23 calouros de diferentes pontos do país – como só havia Relações Internacionais na Universidade de Brasília e na Estácio de Sá, até meados da década de 1990 afluíam para a UnB estudantes interessados em se tornar internacionalistas (nem sabíamos que era assim que viríamos a ser chamados). E tínhamos os colegas estrangeiros, estudantes de todos os continentes – afinal, estávamos em um curso de Relações Internacionais!

Disciplinas: Introdução às Relações Internacionais, Ciência Política, Direito, Economia… Tínhamos muito a aprender, muito o que escolher. O curso, tremendamente interessante, ensinar-nos-ia a sobre a paz e a guerra, a influência das ideologias nos destinos da humanidade, o papel da Política entre as nações, a importância da Economia (“A Economia, estúpido!”), o Direito das Gentes… Aprenderíamos sobre as quase duas centenas de países, seríamos instados a analisar as condutas dos atores internacionais, a entender as “forças profundas”. Compreenderíamos o valor da História e os dilemas da Teoria… E acabaríamos descobrindo que o mundo é uma pequena e complexa aldeia, que os homens, apesar de suas diferenças, pertencem todos ao gênero humano, e que, no fim das contas, são ricamente iguais. Tudo isso aprenderíamos em Relações Internacionais. O curso nos traz um grande cabedal cultural e nos faz singulares.

Entretanto, as melhores memórias da universidade são as de fora da sala de aula. As festas, os encontros e as conversas na FA, as tardes e noites na biblioteca (e os cochilos nas caixas onde deveríamos estudar os volumosos conteúdos para as complexas provas), o almoço no Bandejão (com salitre, suco e gelatina de laranja, de vermelho, de verde…)… Episódios e momentos inesquecíveis, lembrados com clareza ainda hoje, duas décadas depois.

Obviamente, disso tudo, o que melhor guardamos em nosso coração foram as pessoas que conhecemos e os amigos que fizemos. Sim! Fiz boas e perenes amizades, algumas delas que se mantêm fortes e inabaláveis duas décadas depois. Alunos, professores, funcionários, colegas e amigos do Brasil e de outros países! Muito bom quando encontro pelo globo os amigos da UnB, com as consequentes alegres lembranças daqueles tempos que não voltam mais!

E, a 17 dias de meu aniversário, essas lembranças confirmam que o mais importante legado dos tempos da universidade foram os amigos que fizemos. Meu abraço carinhoso a todas aquelas pessoas que contribuíram com sua presença em nossa caminhada!

Unb