Ascensão e Queda das Grandes Potências, Maurits Escher, e um Grande Mestre!

“Mas hoje não é dia do livro!”… “Dia do livro é terça!”… “Como assim, livro hoje?”… Meus 16 (dezesseis) leitores devem estar-se perguntando por que eu publicaria uma recomendação de livro numa quarta-feira! Se bem que, se são meus 16 (dezesseis) leitores, já me conhecem suficientemente e sabem que “publicações inopinadas” podem ocorrer, hehehe. Assim, vamos lá a mais uma indicação!

O livro de hoje é um clássico das Relações Internacionais! Meu primeiro contato com a obra foi há quase trinta anos, quando iniciava meu curso de Relações Internacionais, em um mundo do imediato pós-Guerra Fria, em que a URSS tinha acabado de desaparecer, os Estados Unidos da América (EUA) mostravam-se vencedores e a Ordem Internacional entrava no caos que marcaria a década de 1990! E foi assim que comecei a entender um pouco do funcionamento desse tabuleiro onde os atores internacionais realizam o jogo do poder…

Escrito pelo historiador britânico Paul Kennedy em 1987, Ascensão e Queda (permitam-me a intimidade que só é possível pelos anos de convivência e aprendizado) rapidamente se tornou um clássico para todos os que labutam nas Relações Internacionais. A obra se destaca pela análise aprofundada de aspectos políticos, econômicos, sociais e institucionais que permitem a clara compreensão de como as chamadas “Grandes Potências” surgem, crescem e se tornam influentes, disputam a hegemonia e buscam tornar-se o hegemon no sistema internacional… O assunto é fascinante, pois auxilia muito na compreensão do mundo de ontem e de hoje, e na projeção do que pode vir a ser o sistema internacional do porvir…

Paul Kennedy nos leva, sempre com muitos dados estatísticos, a um passeio por 500 anos de História, das disputas entre Portugal e Espanha pela hegemonia global durante as Grandes Navegações à rivalidade entre EUA e União Soviética, que culminaria no colapso da última! A narrativa é tremendamente agradável, assim como deve ser o produto do trabalho do verdadeiro historiador… E aquele que se inicia nesse surpreendente admirável mundo novo logo começa a compreender um pouco mais sobre a dinâmica da política internacional.

Sempre recomendei Ascensão e Queda a meus alunos. De fato, a leitura de clássicos como Morgenthau, Wright e Aron, é essencial para desenvolver a capacidade analítica de qualquer profissional de Relações Internacionais. Sim, porque o que os internacionalistas fazemos é tentar entender e explicar o mundo, sem achismos, mas com método e fundamentação. Tudo mais, repito, é opinião, e não análise…

E por falar em análise, vou compartilhar com meus leitores, pela primeira vez, uma informação que me foi transmitida na minha primeira aula, do meu primeiro dia no curso de Relações Internacionais… A disciplina, “Introdução ao Estudo das Relações Internacionais (IERI)”. O professor, uma das minhas grandes referências na área, indiscutivelmente o principal responsável pela minha decisão de seguir essa carreira tão especial, meu querido Mestre e amigo Eiiti Sato! 

Sato entra na sala de aula e começa a nos brindar com sua simpatia, bom humor e conhecimento. E, mais para o fim da aula, distribui-nos, naquela época em que não tínhamos Powerpoint, worldwideweb, tampouco telefones celulares (não me refiro a smartphones, trato mesmo de “telefones celulares”), uma folha de papel com algumas imagens, que compartilho a seguir…

escher5

Aí tive meu primeiro contato com o artista holandês Maurits Cornelis Escher! Algumas de suas obras Sato nos mostrou. Essas imagens me marcariam a partir de então! “Peço que se atenha um pouco a elas”, disse nosso querido professor àquele grupo de calouros de “Rel” (que é como chamamos o curso de Relações Internacionais aqui na Universidade de Brasília, o primeiro e único durante duas décadas)…

Escher3

Depois de alguns instantes, Sato olha para nós, dá um sorriso de canto de boca, e diz: “Essas são as Relações Internacionais. Com esses quadros vocês começam a ter uma primeira percepção do sistema internacional!”. Estava encerrada a aula (justiça seja feita, cumprido o tempo regulamentar de aula, pois antes disso o Mestre se apresentara, falara do curso e dirimira nossas dúvidas – não me lembro, durante todo o semestre, do Professor faltando à aula, chegando atrasado ou mesmo terminando a classe mais cedo… isso também foi importante referência para minha vida como docente, anos depois).

Nunca me esqueci dessa primeira aula! Ali tive certeza de que minha vida profissional seria no campo das Relações Internacionais! Sato e Escher, e os clássicos como Paul Kennedy, fizeram-me “pegar gosto” pela análise de como o mundo funciona. E nunca mais deixaria de olhar o sistema internacional com muito carinho, interesse e como meu grande objeto de estudo!

img_20200616_120604_179

24. Universidade (21/11/2014)

A coisa mais indispensável a um homem é reconhecer o uso que deve fazer do seu próprio conhecimento.
Platão

Tinha acabado de completar 17 anos. A notícia da aprovação para o concorrido curso de Relações Internacionais ainda não fora plenamente assimilada. Afinal, começava uma nova e importante fase de minha vida: tornava-me universitário!

Pré-matrícula: chegávamos perdidos, éramos calouros. Gente diferente. Escolha de disciplinas. Pilhas de papel com ofertas de cursos. E o primeiro contato com os novos colegas.

Nossa turma era pequena, 23 calouros de diferentes pontos do país – como só havia Relações Internacionais na Universidade de Brasília e na Estácio de Sá, até meados da década de 1990 afluíam para a UnB estudantes interessados em se tornar internacionalistas (nem sabíamos que era assim que viríamos a ser chamados). E tínhamos os colegas estrangeiros, estudantes de todos os continentes – afinal, estávamos em um curso de Relações Internacionais!

Disciplinas: Introdução às Relações Internacionais, Ciência Política, Direito, Economia… Tínhamos muito a aprender, muito o que escolher. O curso, tremendamente interessante, ensinar-nos-ia a sobre a paz e a guerra, a influência das ideologias nos destinos da humanidade, o papel da Política entre as nações, a importância da Economia (“A Economia, estúpido!”), o Direito das Gentes… Aprenderíamos sobre as quase duas centenas de países, seríamos instados a analisar as condutas dos atores internacionais, a entender as “forças profundas”. Compreenderíamos o valor da História e os dilemas da Teoria… E acabaríamos descobrindo que o mundo é uma pequena e complexa aldeia, que os homens, apesar de suas diferenças, pertencem todos ao gênero humano, e que, no fim das contas, são ricamente iguais. Tudo isso aprenderíamos em Relações Internacionais. O curso nos traz um grande cabedal cultural e nos faz singulares.

Entretanto, as melhores memórias da universidade são as de fora da sala de aula. As festas, os encontros e as conversas na FA, as tardes e noites na biblioteca (e os cochilos nas caixas onde deveríamos estudar os volumosos conteúdos para as complexas provas), o almoço no Bandejão (com salitre, suco e gelatina de laranja, de vermelho, de verde…)… Episódios e momentos inesquecíveis, lembrados com clareza ainda hoje, duas décadas depois.

Obviamente, disso tudo, o que melhor guardamos em nosso coração foram as pessoas que conhecemos e os amigos que fizemos. Sim! Fiz boas e perenes amizades, algumas delas que se mantêm fortes e inabaláveis duas décadas depois. Alunos, professores, funcionários, colegas e amigos do Brasil e de outros países! Muito bom quando encontro pelo globo os amigos da UnB, com as consequentes alegres lembranças daqueles tempos que não voltam mais!

E, a 17 dias de meu aniversário, essas lembranças confirmam que o mais importante legado dos tempos da universidade foram os amigos que fizemos. Meu abraço carinhoso a todas aquelas pessoas que contribuíram com sua presença em nossa caminhada!

Unb