33. Atalaia eterna! (30/11/2014)

Em defesa da paz social, do direito da ordem, da lei… sempre, sempre eu serei policial, atalaia eterna eu serei!
Refrão do Hino da Polícia Civil do DF

Todo menino sonha em ser astronauta, jogador de futebol (eu não), piloto, policial… Não pude ser astronauta nem piloto, e não imaginava que um dia viria a me tornar policial. Só que a vida nos prega peças: meu primeiro emprego público efetivo foi exatamente como agente da Polícia Civil do Distrito Federal (PCDF)! E foi uma experiência muito gratificante.

O ano era 1998. Estava desempregado, desesperado. Buscava um concurso para todo e qualquer cargo público que aparecesse. Como disse em outro texto, se houvesse concurso para bailarino do teatro nacional ou para tratador de leões no zoológico faria a inscrição.

Surgiu, então, o edital para concurso de agente de polícia da PCDF. Vi o programa das disciplinas para as provas e percebi que teria chances. Estudei. Não tinha dinheiro para pagar cursinho, tendo que me virar por conta própria. E fui fazer as provas!

Passei na primeira fase, de provas escritas. O segundo passo eram as provas físicas. Aí a situação complicava. Afinal, nunca tive vocação para esportes. Mas a necessidade falava mais alto. E a disciplina imperou.

Uma prova que me preocupava era a corrida de 2.400 metros em 12 minutos (creio que era isso). Nunca havia corrido. Não tinha muito hábito nem de caminhar. Mas, naturalmente, precisava daquele emprego. Procurei meu Mestre D’Armas (estava afastado havia mais de um ano da esgrima) e Evandro me deu boas orientações de como começar a me preparar e ganhar condicionamento físico para correr. Ia fazer o que fosse necessário para superar essa barreira.

Se me perguntassem hoje se fiz aquilo, respondo que sim só porque fui eu mesmo quem fez! Eu, que nunca havia corrido na vida, agora saia duas vezes por dia, pela manhã e à tarde, para correr pelas ruas de Sobradinho por uma hora e meia! E corria! Corria como um louco, pois precisava vencer aquela batalha e alcançar um emprego público. Precisava de condicionamento. Cronometrava o tempo. Eita canseira! Run, Forrest, run!

Chegou o dia da prova física. O local, o Centro Olímpico da UnB. Era como um grande evento! Os candidatos eram chamados em grupo para correr, e lhes acompanhava uma torcida de amigos, familiares, namoradas. Fui como nasci, sozinho.

Chegou minha hora de fazer a prova. Tinha que correr os 2.400 metros em 12 minutos (“bobagem”, diriam alguns! Mas para mim seria impensável alguns meses antes). Se alcançasse a distância antes (o que também não era fácil, pois estava bem no limite durante os treinos), tinha que continuar ao menos caminhando até o final do circuito.

Deram a largada. Corro. Run, Forrest, run! Minha vida passa em ritmo acelerado! Primeira volta, segunda volta, terceira volta… perdi a conta… Tinha um fiscal contando (ainda bem!). Esbaforido. Falta fôlego. “Onde é que fui me meter?”, penso, bravo, comigo: Run, Forrest, run!

Mais uma volta. A língua completamente para fora da boca – vai chegar uns dois minutos na minha frente. O ar fica escasso. Continuo correndo. Não dá para intercalar com paradas para caminhar. As pessoas lá fora gritando e torcendo pelos seus entes queridos. E eu só – melhor assim, a vergonha seria só minha também. Continuo correndo.

Entro na última volta. Olho para o lado. A imagem que presencio fica gravada para sempre em minha mente: um gordinho, bem gordinho mesmo, que vinha correndo e, não sei como, continuava na prova, tropeça. A cena se passa em câmera lenta… vejo o gordinho com uma perna se entrelaçando na outra (nãaaaoooooo!)… o gordinho vai ao chão estabanado. Fica ali deitado, esbaforido, chorando. A prova acabava naquele instante para ele… e o concurso!

Eu continuo no páreo… É a última volta. Só mais um pouco! Run, Forrest, run! Os últimos metros e os derradeiros segundos se aproximam. Olho para o fiscal que me faz um sinal: consegui já os 2.400 metros! Basta agora só terminar o tempo continuando no circuito. Felicidade!

Acabou o tempo! Consegui! Não acreditava! Me dei um caloroso abraço (não tinha quem me abraçasse)! Respirei fundo. Mais uma etapa concluída. Orgulho de mim. Superei um obstáculo quase que intransponível para alguém desacostumado a exercícios físicos. Venci. Viriam o psicotécnico e a investigação sobre vida pregressa – nos quais seria aprovado sem problema. Viva eu!

Logo fui chamado para a Academia de Polícia. Época muito boa. Naqueles anos, a academia ficava em uma área distante, no final da Ceilândia (Finlândia, portanto), uma cidade satélite de Brasília. Mas eu iria onde fosse necessário, claro. Todo dia chegava cedo e ficava até o fim da tarde, quando voltava correndo para a faculdade, que cursava à noite.

O curso foi ótimo. As aulas, bem divertidas: Direito, Primeiros Socorros, Segurança Orgânica, Defesa Pessoal e, o melhor, Adestramento e Tiro! Eita que adorava atirar! Foi paixão à primeira vista com as armas! Gostei mesmo! Era melhor na técnica de saque rápido (na prova final de saque rápido, fiz 99 pontos em 100, contra 97 em tiro de precisão), mas o que importava mesmo era atirar. Realmente, foi inesquecível o tempo de academia.

Excelentes também foram os amigos, entre instrutores e colegas de concurso, que fiz na academia de polícia. Gente boa, de diferentes cantos do Brasil, com perspectivas distintas, mas com o objetivo de se tornar policiais, bons policiais. Minha turma em particular era divertidíssima! Ficamos unidos. Alguns dos amigos da academia tenho até hoje. Seguem fotos daqueles bons tempos!

Indescritível a felicidade quando tomei posse na PCDF. Era servidor público e policial! Meu primeiro emprego público! Salário garantido no fim do mês e um trabalho para lá de interessante. Identifiquei-me muito com a atividade de polícia. E entendo perfeitamente que, ao menos com quem está disposto a fazer uma carreira honesta e decente, a profissão de policial é como um sacerdócio – sem exageros!

Fui designado para a Delegacia do Meio Ambiente (DEMA). “Um lugar bem tranquilo”, diria meu caro leitor! Certamente mais que as delegacias regionais ou que algumas especializadas (como a de Roubos e Furtos ou a de Repressão a Entorpecentes). Certamente. O único problema é que quem investiga grilagem de terras no DF é a DEMA – esse é um grande problema na capital federal e era uma época em que o Governo estava pondo abaixo lotes e cercas em condomínios irregulares (onde depois íamos reunir provas e fazer ronda).

Aprendi bastante na PCDF. Cresci como pessoa e como profissional. Não cabe aqui contar os “causos” da época de polícia… Isso é conversa para um bom bar, com uma boa cerveja e bons amigos. Só digo que para mim foi extremamente importante a passagem por lá.

Só tenho boas lembranças de meus tempos de polícia. Fiquei pouquíssimo tempo porque, logo em seguida, fui chamado para o curso de formação da Agência Brasileira de Inteligência (pois passara nesse concurso também). Mas o período que fiquei ali aprendi muito e, acima de tudo, fiz boas amizades.

Faltam 8 dias para meu aniversário. E hoje lembro dos amigos que fiz na polícia, e de todos os policiais (civis, militares, rodoviários, federais) que combatem com bravura a criminalidade e que trabalham duro, muitas vezes com o sacrifício da vida, pela segurança dos cidadãos, nesta guerra diária em um país onde o policial é desprezado, a vítima é esquecida e o bandido vira herói. Isso me incomoda. Sonho com um Brasil em que o policial seja mais valorizado, e onde ser polícia seja entre as crianças um sonho maior que o de se tornar jogador de futebol…

PCDF

30. Direito e Ceub (27/11/2014)

A justiça sem a força é impotente, a força sem justiça é tirana.
Blaise Pascal

Concluí o curso de Relações Internacionais sem grandes perspectivas profissionais. Apesar de tremendamente interessante pelo currículo e excelente para a formação humanística, em termos práticos, Relações Internacionais se revelaria um grande fiasco. E lá estava eu, com 20 anos, um impoluto diploma por uma das melhores universidades do País e… desempregado! Não seria simples sair das estatísticas com um título de bacharel em algo pouco conhecido no Brasil. Tinha que fazer alguma coisa.

Em meu penúltimo semestre na UnB, talvez já instintivamente percebendo as dificuldades que adviriam nos próximos anos, resolvi prestar vestibular para Direito naquela que era considerada a melhor faculdade particular do DF: o então Centro de Ensino Unificado de Brasília (CEUB). Não estava muito convicto de que gostaria de ser advogado, mas meu pai insistiu e fui fazer as provas. Fiz o vestibular e esqueci completamente do episódio – estava mais preocupado em concluir meu bacharelado em Rel (como nós na UnB chamamos Relações Internacionais).

Havia esquecido completamente do vestibular do CEUB. Afinal, não estudara para as provas e não pensava na carreira jurídica… Então, fizera os exames admissionais por fazer. Mas a boa surpresa chegaria de forma inusitada…

Estava em casa e um colega me telefonou. “Parabéns, cara!”, disse ele, “você passou para Direito!”. Ele vira meu nome na lista dos aprovados e perguntava se eu não iria fazer a matrícula, pois o prazo estava se encerrando. Naquela época não havia internet como hoje (estou falando de 1994!) e a divulgação dos resultados dava-se pelo jornal ou nas listas afixadas na faculdade – foi onde meu colega viu meu nome. Nesse sentido, uma vez que “Joanisval” não encontra homônimos no mundo civilizado, só poderia ser eu mesmo! E fiz a matrícula.

Não consegui aproveitar muito bem meu curso de Direito. Como já trazia algumas disciplinas da UnB, minha grade curricular no Ceub era sempre complicada… Estava usualmente em dois ou três semestres ao mesmo tempo. Ademais, tive que suspender o curso algumas vezes, pois não tinha dinheiro para pagar, ou estava concluindo meu Mestrado, ou com problemas pessoais. Enfim, levei cerca de 8 anos para concluir o curso de Direito, passei por três currículos distintos e nunca estive plenamente inserido em um semestre específico, com uma turma própria. Isso acabou sendo valioso, pois conheci muita gente na trajetória, e boas amizades foram ali moldadas – muitas da quais perduram até hoje.

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Mas foi no segundo semestre de 1996 que, retornando aos estudos, encontraria a “turma” que acabaria adotando como minha. O pessoal estava, creio, no quarto semestre. Gente muito simpática e aberta aos “novatos” que apareciam. Logo fiz amizades. Com eles seguiria mais ou menos até o fim do curso (que acabariam cerca de um ano e meio antes de mim) e faríamos juntos muitas disciplinas. Essa boa gente acabaria marcando minha vida – dali saíram meus grandes amigos do curso de Direito e aquela com quem viria a me casar e ser a mãe de meus filhos. Pois é! Conheci minha esposa na faculdade e cursamos Direito juntos. Isso por si já seria mais que suficiente para justificar minha passagem pelo Ceub, né?

Concluí o curso de Direito no final de 2001. Recuperando as memórias e refletindo sobre a segunda graduação, posso asseverar, sem qualquer sombra de dúvida, que a melhor coisa que fiz foi cursar Direito, e no Ceub!

Costumo recomendar Direito a todo mundo, inclusive como segunda graduação. Direito nos dá base sólida para a vida em sociedade e, apesar das dificuldades inerentes às carreiras jurídicas, é um curso que tem excelentes perspectivas profissionais. Pelo menos comigo foi assim. Graças ao Direito, tive a preparação necessária, por exemplo, para conseguir ser aprovado nos concursos que me levaram ao serviço público. E, associando os conhecimentos jurídicos à capacidade reflexiva e conhecimentos oriundos de Relações Internacionais, consegui, finalmente, boa formação acadêmica e prática. Devo, enfim, parte importante de meu êxito profissional ao curso de Direito.

Não me considero um profundo conhecedor das Ciências Jurídicas, pelo contrário. Como meu curso foi muito esparso, não aproveitei tanto as disciplinas e o conhecimento extremamente bem transmitido pelos meus mestres – muitos dos quais se tornaram grandes amigos! De Direito Civil, entendo pouco, pois meu Código ainda é o de 1916. Já sobre Direito Comercial, apesar das excelentes aulas do amigo Marcus Palomo, sei muito pouco. Com Trabalho e Previdenciário nunca tive muita afinidade. Processo Civil era extremamente complexo, e irritavam-me os recursos de natureza absolutamente protelatória – entretanto, gostava da parte prática e estratégica de processo civil e trabalhista. Tributário sempre foi bom para ganhar dinheiro, mas exige conhecimentos muito específicos, restritos a iniciados.

Gostava mesmo era de Direito Público. Penal e Processo Penal atraíam-me e cheguei mesmo a advogar um pouco nessa área – o problema era a clientela… Mas a afinidade mesmo foi por Direito Constitucional e Administrativo. A paixão, naturalmente, pelo Direito Internacional! E foi por aí que segui carreira, vindo mesmo a, como muita honra, lecionar na área…

Devo muito a meu curso de Direito e tenho um carinho extremo com o CEUB, hoje Uniceub. Se a UnB é minha Alma Mater, o Ceub é uma instituição constante em minha vida: é a faculdade onde meus pais estudaram, onde estudei, conheci a mãe de meus filhos, e onde me tornaria professor. Já ia ao Ceub quando criança, acompanhando papai às aulas de Direito. Adoro o lugar, que tem uma vibração distinta daquela da UnB (não melhor ou pior, distinta). Passei bons anos naqueles prédios e ali vivi grandes experiências. Fiz muitos amigos entre colegas, professores e alunos. O Ceub é, portanto, parte de mim.

Faltando 11 dias para meu aniversário, resolvi escrever sobre o Ceub (desculpem os mais novos, mas continuarei chamando o Uniceub de Ceub). Afinal, se parar para calcular, destes últimos 40 anos, ao menos metade deles estive no Ceub, na condição de aluno ou professor. Minhas primeiras aulas de Direito foram lá quando, repito, ainda criança ia acompanhar meu pai que ali estudava. Ali, meu primeiro professor de Direito foi o caríssimo [e saudoso] Antônio Guimarães Neto, a quem dedico uma parte especial desta crônica. Lembro das aulas de Direito Penal com o Professor Guimarães, as quais eu, uma criança de 8, 10 anos, assistia atento. Teria a felicidade de ser aluno do Professor Guimarães quando eu próprio cursava Direito, ocasião em que percebi que, mais do que nos ensinar sobre as Ciências Criminais, Guimarães nos orientava e nos formava como juristas, inclusive com sábios conselhos até de como se portar perante clientes, autoridades, pares e sociedade. Lições assimiladas e que permanecem vivas. Por coincidência, e sob aquela perspectiva de que a Providência sempre coloca pessoas fundamentais em nosso caminho, foi por intermédio do Professor Guimarães que comecei a lecionar no Ceub. Sim! Ele me convidou e me deu essa grande honra e satisfação! Ser-lhe-ei eternamente grato pela oportunidade!

Não tenho qualquer inclinação para poesia. Se tivesse e fosse possível fazer uma ode a uma instituição, o Ceub certamente estaria entre minhas escolhas. Difícil explicar o carinho que sinto por aquela casa. Só sei que é imenso. E hoje, cada vez que entro nas salas de aula do Bloco III do Ceub, é indescritível a satisfação e a emoção! Sim, porque cada aula ministrada é uma experiência única, geralmente de “recarga da bateria” após um dia de trabalho. E no Ceub essa sensação é ainda melhor! Afinal, leciono na instituição em que me graduei! E sigo com a missão de tentar transmitir, da melhor maneira possível, o conhecimento que tão bem me foi passado pelos mestres ali naqueles bancos. É muito bom ser docente do Ceub e fazer parte dessa cadeia de transmissão do saber jurídico, em que me preocupo não em formar “operadores do Direito” (termo que detesto), mas juristas.

Gosto de lecionar. Gosto do Ceub. Gosto de lecionar no Ceub. E encerro o texto de hoje agradecendo muito a todos que passaram pelo meu caminho ali naquela instituição tão querida! Minha gratidão a pessoas como Guimarães, Marcus Palomo, Rossini Corrêa, Any Ávila, Paulo Thompson, Sílvio Cirilo, Stefânia Viveiros, Flávio Salles, Túlio Arantes, Tarcísio de Carvalho Neto, Ademar Vasconcelos, e tantos outros que me ensinaram sobre o Direito. Minha gratidão a todos os meus alunos, pois com vocês nós aprendemos. Agradeço, ainda, a meus colegas e amigos que estiveram comigo durante os 8 anos e graduação e aqueles com quem hoje tenho a honra de partilhar a sala dos professores, a secretaria, o campus do Ceub. Enfim, meu muito obrigado aos mestres, aos alunos, aos colegas e aos amigos! E vamos adiante!

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25. Los tres Valetes (22/11/2014)

Mais vale ter amigos que tesouros acumulados.
Provérbio russo

O que leva determinadas pessoas, entre as mais de 7,5 bilhões que povoam o planeta, a se encontrarem com outras especificamente, e tornarem-se grandes amigos? Os místicos sabem que o acaso não existe, daí minha plena convicção de que cada ser humano que cruza meu caminho não o faz aleatoriamente e que nos encontramos (ou reencontramos) porque somos parceiros de caminhada e nos ajudaremos (consciente ou inconsciente) a aprender algo na vida. Dessa maneira, há aqueles que aparecem, juntam-se a nós na jornada por um tempo, e depois somem de maneira indeterminada (ao menos para os que não conhecemos os desígnios do Criador). Outros amigos permanecem sempre conosco, independentemente de estarem fisicamente ao nosso lado, e nossos caminhos se cruzam com frequência. Convém ter em mente que as duas categorias de pessoas são relevantes em nossa vida.

Hoje, a 16 dias do aniversário, e ainda escrevendo sobre a primeira Graduação, dedico a crônica dos meus 40 anos a duas figuras ímpares que conheci ao chegar à Universidade de Brasília para cursar Relações Internacionais: Mario Jorge e Maurício. Formaríamos um triunvirato, unidos para começar a caminhada naquela fase importante de nossa vida. Viveríamos situações inusitadas, dentro e fora da UnB.

Tínhamos praticamente a mesma idade. Maurício era alguns meses mais velho, e Mário o mais novo. Vínhamos de origens bastante distintas, mas, por alguma razão que a razão desconhece, descobriríamos muitas coisas em comum que acabariam nos aproximando. Nos anos que se seguiriam, estaríamos juntos para apoiar e criticar um ao outro, vivenciando situações como os porres de um (enquanto os outros dois não bebiam – claro que não contarei de quem foi), as namoradas (e o fim de namoros), a tomada (com estratégia) do Centro Acadêmico (em uma eleição vitoriosa sobre a chapa da situação), as festas, a pressão dos estudos e as inúmeras disciplinas, uma viagem a Cabo Frio, meus primeiros momentos aprendendo a dirigir (com o quase acidente na Brasília amarela), e a formação de “Los tres Valetes”.

Mário, o Mariozinho, conheceria logo na pré-matrícula. Lembro como se fosse hoje: chegando para conversar com o coordenador do curso e escolher as disciplinas, topei com ele e outro colega nosso, o Bruno, pois os dois já se conheciam do Colégio Militar de Brasília. Começamos a conversar e dali surgiu uma grande amizade. Mariozinho, cabeça de piloto, era o mais racional dos três valetes, vinha de uma família de militares (o bisavô foi um general importante do período militar, que alcançara a presidência da república) e chegou a ingressar na Academia da Força Aérea. Muito inteligente e centrado, fizemos várias disciplinas juntos, tínhamos identidade ideológica (estávamos entre os poucos que se declaravam mais à direita – bem à direita, diga-se de passagem – naquele mar de cultura esquerdista), e compartilhávamos muitos pontos de vista. Certa vez, decidimos cursar Cálculo I como disciplina optativa e lideramos um movimento de vários colegas de Relações Internacionais a essa empreitada insana – ao menos para a maioria de nós, que mal conhecia as operações básicas. Resultado: ao final do semestre, só o Mário, sua namorada – nossa colega de curso –, e eu concluímos a disciplina. Para mim foi gratificante, pois consegui cursar Cálculo, concluir a disciplina com êxito e confirmar, definitivamente, minha total incompetência para a Ciência Pitagórica!

Outro episódio que ficou na memória ocorreu quando eu e Mário compramos um pequeno dicionário de russo (um exemplar para cada) na livraria da UnB. Começamos a estudar o cirílico e a aprender algumas palavras. Passamos a escrever em cirílico. Sentávamo-nos no fundão da sala nas aulas mais chatas e ficávamos jogando forca em russo. Coisas de gente de Relações Internacionais…

Lá pelo meio do curso, Mário começou a cursar Direito em outra faculdade. Iria se tornar um competente advogado, depois de passar algum tempo como piloto privado (sim, porque sempre foi fascinado por aviação), até que prestaria concurso para juiz aqui no Distrito Federal. Hoje, meu amigo é magistrado – e fico feliz com isso, pois sei que o Poder Judiciário do DF conta com um juiz altamente competente e, acima de tudo, absolutamente íntegro. Em tempo: foi Mário o grande responsável, junto com meu pai, a me instigar a cursar Direito. Devo a eles essa decisão fundamental para minha vida. Continuamos a nos encontrar com frequência para longos almoços ou degustações de cerveja juntamente com outro amigo e irmão dos tempos da universidade (o quarto elemento do trio), meu caríssimo Ricardo Nery. O que posso dizer de Mariozinho é que ele foi um irmão que encontrei na universidade.

O segundo dos três valetes, Maurício, era filho de um servidor do Banco Central (não lembro o que fazia sua mãe). Maurício era um sujeito que tinha o coração duas vezes maior do que ele. Amigo de toda hora, era o emotivo do grupo, brincalhão, permanentemente sorridente. Era aquele amigo que sempre tinha uma boa piada para contar, ou uma mensagem reconfortante quando estávamos chateados com alguma coisa. Não ligava muito para política estudantil e era bem mais moderado que Mário e eu. Mas estava junto se precisássemos dele! Lembro que, depois da vitória em uma difícil eleição para o Centro Acadêmico de Relações Internacionais (em uma chapa construída por Mário – o tesoureiro – e eu – vice-presidente –, mas da qual Maurício não participou diretamente), tivemos que mudar as instalações do CA. E quem carregou os armários, livros e toda a parafernália de um lado para outro fomos eu, Mário… e Maurício! Parece uma história boba, mas foi marcante o peso daqueles armários, só superado pelo dos desafios que tivemos que enfrentar em nossa gestão.

Maurício foi quem me ajudou muito quando estava aprendendo a dirigir. Dava-me dicas de como conduzir um veículo – detesto dirigir – e se aventurava a bordo de uma Brasília amarela que meu pai tinha e com a qual comecei a dar minhas primeiras voltas de carro. A Brasília, primeiro carro que papai comprara na vida, alguns dias antes do Plano Collor, era mais velha que nós, mas servia bem a nosso propósito. Certa vez, Maurício e Mário foram comigo para a zona rural de Sobradinho (no antigo polo de Cinema e Vídeo), para que eu, ainda com a carteira de motorista recém-tirada, pudesse treinar um pouco com o carro. Mário vestido com macacão de piloto, com uma câmera na mão. Comecei a dirigir na estrada de piçarra. Despenhadeiros de um lado e do outro (sim, porque Sobradinho é uma região serrana aqui no DF). Segue para cá, segue para lá. Em determinado momento, perdi o controle da direção. A Brasília rodou conosco. Meu Anjo da Guarda, sempre atento, segurou o veículo. Depois de umas voltas, a Brasília parou na beira de um precipício. Aquela tinha sido por pouco. Claro que foi tudo filmado. Mas a imagem que melhor ficou foi na memória: nós três dentro do carro, girando em alta velocidade e parando à beira do precipício. Foi tenso, mas divertido. E, prova inconteste de amizade, mesmo depois desse evento inusitado, os dois ainda continuaram me dando aulas de direção…

Também viajamos juntos. Fomos os três passar uns dias em Cabo Frio. Aproveitamos bastante, vivemos situações singulares e nos divertimos muito. Paro por aqui. O que aconteceu em Cabo Frio fica em Cabo Frio, hehehehe!

E por que “los tres valetes”? Outra boa história… Já para o fim do curso, descobrimos que sabíamos cantar. Não tocávamos nenhum instrumento, a não ser nossos dedos que estalávamos, mas conseguíamos cantar bem à capela. Cantávamos nos intervalos das aulas, na hora do almoço, sempre que tínhamos um tempinho em meio à correria do final do curso. E até que fazíamos algum sucesso – sobretudo quando vinha algum professor de dentro da sala de aula pedir para que nós, nos corredores da FA, parássemos de cantar! E cantávamos de tudo: Tom Jobim, Vinícius, Beatles, MPB em geral… Quando não sabíamos a letra (e geralmente conhecíamos pouco), íamos à la Ray Conniff… Eu, geralmente, fazia a primeira voz, e Mário e Maurício acompanhavam. Éramos “Los tres valetes”: Maurício, o valete de copas, Mário, o de ouro, e eu, o de espada (ninguém queria o valete de paus!). E nos divertimos bastante! Chegamos até a cogitar cantar na formatura!

Como todo ciclo, nosso período de faculdade acabou. Eu me formei um semestre antes de Mário e Maurício – adiantei meu curso e o concluí em três anos e meio. Acabaríamos nos separando, cada um seguindo seu rumo. Maurício já saía empregado na Embaixada da Argentina e, praticamente, casado. Mário continuaria seu curso de Direito, e passaria um tempo como piloto, rodando o mundo em jatinhos. E eu, bem, eu, com um diploma de bacharel em Relações Internacionais e sem qualquer perspectiva profissional, buscaria um rumo na vida… E “los tres valetes” chegava a seu fim.

Como disse, ainda continuo em constante contato com Mariozinho. Nossa amizade permanece mais firme do que nunca. Perdi completamente o contato com o caríssimo Maurício. Tentei encontrá-lo nas redes sociais e pela internet, sem sucesso. Espero, sinceramente, conseguir reencontrar esse bom amigo nos próximos 40 anos. E, quem sabe, possamos relançar nas paradas “los tres valetes”!

[Em tempo: no meu aniversário de 40 anos, restabeleci o contato com o querido amigo Maurício! Coloco aqui uma foto nossa, com 25 anos e alguns quilos de diferença. O próximo passo é a volta de “los tres valetes” ao mundo da música!]

Los tres valetes