33. Atalaia eterna! (30/11/2014)

Em defesa da paz social, do direito da ordem, da lei… sempre, sempre eu serei policial, atalaia eterna eu serei!
Refrão do Hino da Polícia Civil do DF

Todo menino sonha em ser astronauta, jogador de futebol (eu não), piloto, policial… Não pude ser astronauta nem piloto, e não imaginava que um dia viria a me tornar policial. Só que a vida nos prega peças: meu primeiro emprego público efetivo foi exatamente como agente da Polícia Civil do Distrito Federal (PCDF)! E foi uma experiência muito gratificante.

O ano era 1998. Estava desempregado, desesperado. Buscava um concurso para todo e qualquer cargo público que aparecesse. Como disse em outro texto, se houvesse concurso para bailarino do teatro nacional ou para tratador de leões no zoológico faria a inscrição.

Surgiu, então, o edital para concurso de agente de polícia da PCDF. Vi o programa das disciplinas para as provas e percebi que teria chances. Estudei. Não tinha dinheiro para pagar cursinho, tendo que me virar por conta própria. E fui fazer as provas!

Passei na primeira fase, de provas escritas. O segundo passo eram as provas físicas. Aí a situação complicava. Afinal, nunca tive vocação para esportes. Mas a necessidade falava mais alto. E a disciplina imperou.

Uma prova que me preocupava era a corrida de 2.400 metros em 12 minutos (creio que era isso). Nunca havia corrido. Não tinha muito hábito nem de caminhar. Mas, naturalmente, precisava daquele emprego. Procurei meu Mestre D’Armas (estava afastado havia mais de um ano da esgrima) e Evandro me deu boas orientações de como começar a me preparar e ganhar condicionamento físico para correr. Ia fazer o que fosse necessário para superar essa barreira.

Se me perguntassem hoje se fiz aquilo, respondo que sim só porque fui eu mesmo quem fez! Eu, que nunca havia corrido na vida, agora saia duas vezes por dia, pela manhã e à tarde, para correr pelas ruas de Sobradinho por uma hora e meia! E corria! Corria como um louco, pois precisava vencer aquela batalha e alcançar um emprego público. Precisava de condicionamento. Cronometrava o tempo. Eita canseira! Run, Forrest, run!

Chegou o dia da prova física. O local, o Centro Olímpico da UnB. Era como um grande evento! Os candidatos eram chamados em grupo para correr, e lhes acompanhava uma torcida de amigos, familiares, namoradas. Fui como nasci, sozinho.

Chegou minha hora de fazer a prova. Tinha que correr os 2.400 metros em 12 minutos (“bobagem”, diriam alguns! Mas para mim seria impensável alguns meses antes). Se alcançasse a distância antes (o que também não era fácil, pois estava bem no limite durante os treinos), tinha que continuar ao menos caminhando até o final do circuito.

Deram a largada. Corro. Run, Forrest, run! Minha vida passa em ritmo acelerado! Primeira volta, segunda volta, terceira volta… perdi a conta… Tinha um fiscal contando (ainda bem!). Esbaforido. Falta fôlego. “Onde é que fui me meter?”, penso, bravo, comigo: Run, Forrest, run!

Mais uma volta. A língua completamente para fora da boca – vai chegar uns dois minutos na minha frente. O ar fica escasso. Continuo correndo. Não dá para intercalar com paradas para caminhar. As pessoas lá fora gritando e torcendo pelos seus entes queridos. E eu só – melhor assim, a vergonha seria só minha também. Continuo correndo.

Entro na última volta. Olho para o lado. A imagem que presencio fica gravada para sempre em minha mente: um gordinho, bem gordinho mesmo, que vinha correndo e, não sei como, continuava na prova, tropeça. A cena se passa em câmera lenta… vejo o gordinho com uma perna se entrelaçando na outra (nãaaaoooooo!)… o gordinho vai ao chão estabanado. Fica ali deitado, esbaforido, chorando. A prova acabava naquele instante para ele… e o concurso!

Eu continuo no páreo… É a última volta. Só mais um pouco! Run, Forrest, run! Os últimos metros e os derradeiros segundos se aproximam. Olho para o fiscal que me faz um sinal: consegui já os 2.400 metros! Basta agora só terminar o tempo continuando no circuito. Felicidade!

Acabou o tempo! Consegui! Não acreditava! Me dei um caloroso abraço (não tinha quem me abraçasse)! Respirei fundo. Mais uma etapa concluída. Orgulho de mim. Superei um obstáculo quase que intransponível para alguém desacostumado a exercícios físicos. Venci. Viriam o psicotécnico e a investigação sobre vida pregressa – nos quais seria aprovado sem problema. Viva eu!

Logo fui chamado para a Academia de Polícia. Época muito boa. Naqueles anos, a academia ficava em uma área distante, no final da Ceilândia (Finlândia, portanto), uma cidade satélite de Brasília. Mas eu iria onde fosse necessário, claro. Todo dia chegava cedo e ficava até o fim da tarde, quando voltava correndo para a faculdade, que cursava à noite.

O curso foi ótimo. As aulas, bem divertidas: Direito, Primeiros Socorros, Segurança Orgânica, Defesa Pessoal e, o melhor, Adestramento e Tiro! Eita que adorava atirar! Foi paixão à primeira vista com as armas! Gostei mesmo! Era melhor na técnica de saque rápido (na prova final de saque rápido, fiz 99 pontos em 100, contra 97 em tiro de precisão), mas o que importava mesmo era atirar. Realmente, foi inesquecível o tempo de academia.

Excelentes também foram os amigos, entre instrutores e colegas de concurso, que fiz na academia de polícia. Gente boa, de diferentes cantos do Brasil, com perspectivas distintas, mas com o objetivo de se tornar policiais, bons policiais. Minha turma em particular era divertidíssima! Ficamos unidos. Alguns dos amigos da academia tenho até hoje. Seguem fotos daqueles bons tempos!

Indescritível a felicidade quando tomei posse na PCDF. Era servidor público e policial! Meu primeiro emprego público! Salário garantido no fim do mês e um trabalho para lá de interessante. Identifiquei-me muito com a atividade de polícia. E entendo perfeitamente que, ao menos com quem está disposto a fazer uma carreira honesta e decente, a profissão de policial é como um sacerdócio – sem exageros!

Fui designado para a Delegacia do Meio Ambiente (DEMA). “Um lugar bem tranquilo”, diria meu caro leitor! Certamente mais que as delegacias regionais ou que algumas especializadas (como a de Roubos e Furtos ou a de Repressão a Entorpecentes). Certamente. O único problema é que quem investiga grilagem de terras no DF é a DEMA – esse é um grande problema na capital federal e era uma época em que o Governo estava pondo abaixo lotes e cercas em condomínios irregulares (onde depois íamos reunir provas e fazer ronda).

Aprendi bastante na PCDF. Cresci como pessoa e como profissional. Não cabe aqui contar os “causos” da época de polícia… Isso é conversa para um bom bar, com uma boa cerveja e bons amigos. Só digo que para mim foi extremamente importante a passagem por lá.

Só tenho boas lembranças de meus tempos de polícia. Fiquei pouquíssimo tempo porque, logo em seguida, fui chamado para o curso de formação da Agência Brasileira de Inteligência (pois passara nesse concurso também). Mas o período que fiquei ali aprendi muito e, acima de tudo, fiz boas amizades.

Faltam 8 dias para meu aniversário. E hoje lembro dos amigos que fiz na polícia, e de todos os policiais (civis, militares, rodoviários, federais) que combatem com bravura a criminalidade e que trabalham duro, muitas vezes com o sacrifício da vida, pela segurança dos cidadãos, nesta guerra diária em um país onde o policial é desprezado, a vítima é esquecida e o bandido vira herói. Isso me incomoda. Sonho com um Brasil em que o policial seja mais valorizado, e onde ser polícia seja entre as crianças um sonho maior que o de se tornar jogador de futebol…

PCDF

Alguns são mais humanos que os outros

Parentes-pFinados. Enquanto muitos brasileiros velam e lembram de seus entes queridos que já deixaram este vale de lágrimas, fiquei pensando em um grupo vitimado pela violência de nossas ruas, mas que comumente é esquecido: as dezenas de policiais que todos os anos tombam no cumprimento do dever. E o que me levou a refletir sobre isso foi a cobertura feita pela imprensa (sobretudo a televisiva) da tentativa de resgate de criminosos no Fórum de Bangu (RJ) e que culminou, segundo alguns meios, “na morte de um garotinho de 8 anos, Kayo da Silva Costa… e de um policial militar”…

Certamente, a morte do garoto, ainda na doçura da infância, é algo para se lamentar e deixar a sociedade indignada. Revela a violência a que milhões de brasileiros são submetidos, a incapacidade do Estado de garantir a segurança, a banalização do crime e do mal, e a necessidade de mudança. Nesse sentido, não tenho mais paciência para o discurso “do criminoso como vítima das desigualdades”. Criminoso tem que ser tratado como criminoso, não como vítima! Acho que a grande maioria da população não aguenta mais essa conversa de intelectuais de classe média que tratam o problema da violência das ruas sob o prisma de “considerações sociológicas acerca da desigualdade histórica brasileira”.

Policial morto forum banguMais voltemos ao policial executado. Muito pouco se falou dele. Praticamente, nenhuma imagem divulgada, salvo aquela que circula em algumas redes sociais (nem sei se é realmente dele). Nada sobre o tempo na Polícia Militar, sobre sua família, seus sonhos e esperanças. Nada além daqueles chavões como “o pai disse que era um homem bom” ou “sua morte causou indignação entre os colegas”… Afinal, era apenas “mais um policial”. Aí é que está o problema!

Alexandre Rodrigues de Oliveira, 40 anos, sargento da PMRJ por 18 anos, segundo filho de três irmãos, casado, servia no Fórum há cerca de um ano. Para a surpresa de muita gente, era um cidadão e um trabalhador, como tantos milhões de brasileiros. Ah, sim! E era um ser humano. Policiais também são seres humanos!

Os brasileiros nos acostumamos tanto com a violência, e a morte de policiais se tornou algo tão corriqueiro (o que não deveria ser), que a notícia passa despercebida, aparecendo apenas como uma pequena nota na grande imprensa… Policiais mortos não rendem matéria, não mais! São baixas pouco sentidas! Isso é inaceitável!

pm2Sim, policiais também são seres humanos! Têm tanto direito à vida, à liberdade, à segurança e à dignidade quanto qualquer outro ser humano. No Brasil, porém, os formadores de opinião desprezam policiais… são, na opinião de muitos, “lacaios do aparato repressor do Estado, e que devem ser apenas tolerados como um mal necessário à garantia da ordem pública”. Quando são agredidos, ficam incapacitados ou morrem, há filhos que ficam sem pai, pais que perdem o filho, esposas que acabam sem marido,lares que são destroçados. Muita gente perde com a morte de um policial: familiares, amigos, colegas… Mas também a sociedade perde.

mulher-policial-2Quando um policial é morto, fica evidente o colapso do sistema de segurança pública. Afinal, é ele o agente do Estado legitimamente constituído para garantir a segurança de todos. Uma agressão a um policial é um atentado contra o Estado e a sociedade. Mas, infelizmente, não é assim que muitos formadores de opinião no Brasil o percebem! Comumente, mais digno de nota é o relato da morte de um criminoso, de um facínora assassino, de um traficante, de um crápula… E se for “injustamente executado” em uma troca de tiros com a polícia, o mundo desaba! Até passeata se faz em defesa dos direitos humanos desses canalhas! Claro que eles também têm direitos humanos a serem defendidos e preservados, disso não discordo (desde que sejam humanos, certo?!?). Porém, entre os direitos humanos dos criminosos e os das vítimas desses bandidos em geral, e os dos policiais que tombam combatendo o crime em particular, fico com os dois últimos grupos. Tudo mais é inversão de valores.

policia-civil-mulher-370x290O sargento Alexandre foi mais um entre tantos policiais que morrem diariamente vítimas da criminalidade no Brasil… centenas de homens e mulheres esquecidos… Isso não pode continuar assim. Algo precisa ser feito para que a morte de um agente da lei seja inaceitável e passível de severa punição. A sociedade brasileira não pode continuar encarando com naturalidade a execução de policiais. Os formadores de opinião não devem aclamar criminosos em detrimento de homens e mulheres da lei.

Ou repensamos nossos valores ou teremos um Brasil que se desagregará mais e mais, corrompido pela violência e degradado por um discurso que transforma o criminoso em vítima, a vítima em culpado, e o herói em estatística.FUNERAL DE PM