SPQR
Iniciais de SENATUS POPULUSQUE ROMANUS
inscritas nos estandartes das legiões
Estava trabalhando muito feliz na ABIN. Agradava-me o emprego, a atividade e o setor onde me encontrava. Porém, algo inusitado aconteceu: fui transferido para um setor tremendamente interessante, mas com um problema – um chefe que começou a me perseguir profissionalmente.
Hoje isso seria chamado de assédio moral. À época, porém, era só um idiota atazanando a vida de outro. Acho que o sujeito se sentiu inseguro em seu cargo e ameaçado pela minha pessoa (apesar de ter a idade para ser meu pai e ser oficial superior da reserva, portanto, com mais de trinta anos de vida profissional). E passou a implicar comigo – e eu não era o primeiro, pois outros colegas já haviam passado por momentos difíceis com aquele chefe e deixado o setor. Vi que a situação começava a prejudicar minha saúde física e mental. Chegava a ter taquicardia do tanto que o homem implicava comigo. Tinha que fazer alguma coisa.
Conto essa história porque ela acabou se mostrando uma excelente oportunidade de aprendizado e crescimento. De tanto o chefe me assediar moralmente, tomei duas decisões: iria sair do setor de que tanto gostava; e não ficaria mais um ano na ABIN. Aquilo foi bom, no final das contas, porque me motivou a dar um passo maior.
Pedi para mudar de setor. Fui para outro, onde me receberam muito bem. Todos os chefes, ao contrário do anterior, eram de carreira, analistas de informações, colegas que virariam amigos. Entretanto, o ex-chefe continuaria me incomodando da pior forma possível: deu-me uma nota baixa na avaliação periódica profissional, o que reduziu meu salário (que já não era muito) em cerca de 20% por seis meses. Tive que recorrer e, felizmente, consegui reverter o processo administrativamente. Mas o estrago fora grande e minha decisão tomada.
A Providência Divina colocou então o concurso do Senado em meu caminho. O cargo: Consultor Legislativo. Era um concurso que ocorria a cada dez anos e, por razões que só os místicos entendem, coincidiu de ser aquele o momento para um novo certame. Número de vagas para minha área (Relações Exteriores e Defesa Nacional): 1 (uma). Ia fazer e tentar obter êxito.
Não tinha muito tempo para estudar para o concurso. Trabalhava na ABIN o dia todo e à noite dava aula na faculdade (fazia 20 horas lá, todas as noites da semana, portanto). Chegava em casa às 23h e aí tirava umas duas horas para tentar cumprir o programa previsto no edital – acho que foi daí que consolidei a prática de dormir muito tarde.
Nos fins de semana, ia à biblioteca da UnB para estudar e tentar apreender o conteúdo de Matemática para o concurso. Aqui faço referência a meu querido amigo Carlos Tomé, à época analista legislativo da Câmara dos Deputados, engenheiro de formação, professor por vocação, que conseguiu me ensinar, da obscura Ciência Pitagórica, o que precisava para o concurso. Devo, de certo modo, minha aprovação ao Tomé. Foi ele o responsável por me fazer entender um pouco a Matemática. Nunca vou esquecer a ajuda do amigo. Sim, sempre aparecem anjos no caminho…
Pouco antes dos exames, tirei alguns dias de férias: concentrei-me totalmente na matéria e fui fazer a prova. No local do certame, encontrei alguns amigos, professores, e também uma gente danada de besta – lembro-me de uma menina comentando na sala que “aquela vaga já era dela, pois estava muito preparada e acabara de chegar de um mestrado na Europa”… outro rapaz virou para o fiscal e disse, com arrogância: “olha, pode entregar as provas que os portões já fecharam e quero fazer logo a minha para ficar em primeiro lugar”. E eu, quieto, fui resolvendo as questões.
Sai o gabarito da primeira fase. Tomé me telefona e vamos conferir os resultados (ele havia feito para a área de Meio Ambiente). Depois de fazer alguns cálculos, Tomé me diz: “olha, acho que você está na segunda fase”… E confere a própria prova: “Eita, véi! Eu também!”. E fomos felizes para a próxima etapa do concurso.
Fazemos as provas escritas. Sai o resultado e Tomé me liga: “Estou com a pontuação do pessoal aqui… vamos ver como você ficou!”. Confere os pontos e me dá a notícia, eufórico: “Velho, você está em primeiro!”. Confere a dele: “Eita! E eu também!”. Enquanto descrevo aqui o episódio, meu peito se enche de emoção e olhos ficam mareados: Caramba! Estava em primeiro lugar no concurso do Senado! Ia mudar de emprego!
O concurso continuou com as provas de títulos. E o resultado final: éramos os primeiros colocados em Relações Exteriores e Defesa Nacional e em Meio Ambiente. Algum tempo depois, tomaríamos posse. E começaria uma nova fase de nossa vida!
O Senado, a Câmara Alta do Parlamento, carrega uma história cujos primórdios estão na Roma antiga. As legiões lutavam pelo Senado e pelo povo de Roma. Em muitos países a Casa revisora do processo legislativo, o Senado é visto como importante para garantir o equilíbrio democrático. No glorioso Império do Brasil, o Senado representava, juntamente com o Imperador, a Tradição, e servia para equilibrar as forças da nação e impedir que os representantes diretos do povo, na Assembleia, abusassem de suas prerrogativas e ameaçassem o regime democrático. Grandes estadistas passaram pelo Senado nestes 180 anos.
Já tenho mais de uma década no Parlamento. Aprendi muito e, como tem que ser, fiz amigos para toda a vida aqui. É uma experiência gratificante poder trabalhar ajudando a escrever as leis que mudarão os destinos do País. Conhece-se muita gente interessante – e muita gente não tão interessante também. Mas o saldo é sempre positivo. Gosto da Casa em que trabalho e me esforço para ali prestar o melhor serviço.
Claro que sinto saudade do Executivo. Deixei grandes amigos na ABIN. Conheci muita gente boa, tinha ótimos colegas e, à exceção daquele único cretino que me perseguiu, excelentes chefes. Saí da Agência de cabeça erguida e deixando as portas abertas… como deve ser.
Agradeço diariamente ao Criador pelo emprego que tenho. Agradeço diariamente pelos amigos verdadeiros que fiz no Senado. E, faltando 5 dias para meu aniversário, deixo a eles meu fraternal abraço! Obrigado mesmo, a cada pessoa do e no Poder Legislativo que caminha comigo nesta jornada!
Em tempo: coloquei uma foto de uma reunião da Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional do Senado Federal, onde estou na bancada com meu estimado Presidente (sempre Presidente) Fernando Collor, outra de minha mesa de trabalho e uma terceira dos queridos amigos da Consultoria Legislativa do Senado.