Os Oficiais e o Bolchevismo

Aqueles que me conhecem, sabem que uma das minhas áreas de estudo é a Rússia, inclusive no período soviético. Há tempos estudo os acontecimentos de 1917 e dos anos seguintes. Faço isso para tentar entender como um regime tão nefasto, comandado por criminosos da pior espécie, conseguiu subjugar todo um povo e, no maior país em extensão territorial do globo, estabeleceu um Estado autoritário que perdurou por mais de sete décadas, matou milhões de seres humanos, espalhou terror por todo o planeta e apresentou à história um experimento real e efetivo de totalitarismo de esquerda.

Pois bem, estava pensando na guerra civil russa, ocorrida há cerca de cem anos (1917-1923). Naquele sangrento conflito, muitos oficiais czaristas aderiram ao Exército Vermelho, idealizado por Trotsky, e contribuíram para a vitória dos bolcheviques. Sim, oficiais que até pouco tempo faziam parte do maior exército da Europa, muitos oriundos de uma longa tradição de lealdade a valores antagônicos aos defendidos pelos comunistas, passaram a lutar nas fileiras bolcheviques.

E por que os oficiais czaristas aderiram à causa de Lênin e dos bolcheviques e lutaram pelo Exército Vermelho? São três as razões, basicamente:

1) Simpatia pela causa, pois havia comunistas entre a oficialidade (uma minoria, é verdade, mas havia). Afinal, essa abjeta ideologia conquistou adeptos em diferentes grupos sociais e em todas as partes, particularmente entre os jovens filhos das elites (com os homens de farda não poderia ser diferente).

2) Covardia e resignação. O medo foi uma razão também, já os bolcheviques se mostraram fortes e obstinados. Lutaram bem e, à medida que os anos passavam, ganhavam mais força e adesões. Os czaristas, por outro lado, estavam em sua maioria desorganizados, divididos e entregues à sua própria sorte. Assim, ao verem qual dos lados estava vencendo, temerosos com o amanhã, frustrados com a inação do restante do mundo (depois de um tempo, a comunidade internacional, como sempre acontece, distanciou-se do conflito, aguardando o vencedor para retomar as boas relações) ou resignados (afinal, “o comunismo não deveria ser tão ruim assim, né?”), certos oficiais czaristas “saltaram” para o lado vermelho, por mais desonrosa que fosse a atitude…

3) Interesses particulares, pois achavam que seria melhor estar ao lado dos novos senhores e que iriam se beneficiar com isso – o que realmente aconteceu para alguns, que galgaram rapidamente posições mais elevadas sobre os cadáveres de seus antigos camaradas. Adesismo para autopreservação, portanto. Isso, associado, à covardia e à perfídia, foi fatal para o desfecho da guerra em prol da Revolução…

Aqueles oficiais não estavam ali para defender seu antigo czar, ou o mesmo o Governo Provisório (que se formara após a abdicação de Nicolau II) e, muito menos, para proteger o povo russo (de fato, o povo em si, não tinha muito o que fazer diante dos grupos organizados em sovietes e do governo central todo-poderoso, comandado pelos criminosos vermelhos). Aqueles oficiais mostraram-se subservientes a um novo regime que tanto mal causaria a milhões de seres humanos e a toda uma nação em nome dos “ideais revolucionários”.

Lembro que os oficiais que aderiram aos bolcheviques traíram não só o czar, mas seu país, e, em última instância, sua própria gente. Desonraram os juramentos que haviam feito, e submeteram-se vergonhosamente ao novo regime… Lutaram, inclusive, contra antigos comandantes e contra companheiros de caserna, irmãos de armas. Sua conduta passaria para a História como símbolo da vergonha e da traição e, passados cem anos, essa mácula permanece.

Em tempo: vale lembrar que a maioria absoluta desses oficiais acabou executada por Stálin nos expurgos de 1937/1938.

O que me interessa no estudo da História não é o fato de que “conhecendo o passado, evita-se que os mesmos erros sejam cometidos”. A verdade é que, mesmo com a experiência histórica, é comum se ver os mesmos erros cometidos em outras partes do globo, mas em situações semelhantes.

Entretanto, se o estudo da História não evita a repetição dos erros, serve para entender melhor o presente e as condutas dos homens. E isso é fundamental em qualquer análise de situação. Ao fim e ao cabo, a História cobrará o preço da inação, da covardia e da desonra…