Brasil, terrorismo e grandes eventos

Brasil-rota-do-terrorismoHá alguns anos tenho registrado minha preocupação com a possibilidade de atentados terroristas na Copa do Mundo, Olimpíadas e outros grandes eventos que o Brasil sediará.

Espero, sinceramente, que ao final disso tudo, minhas preocupações tenham sido infundadas. De toda maneira, temos que nos preparar, como sociedade e como Estado, para situações ruins sem precedentes. Melhor prevenir do que depois ficar chorando o leite derramado.

Segue entrevista nossa ao blog Brasil no Mundo do portal da Revista Exame sobre terrorismo e grandes eventos. Esse interessante blog é do jornalista Fábio Pereira Ribeiro, estudioso das questões de segurança e inteligência.

Exame.com 03.05.2014 – 21h22

Terrorismo: Preocupação para o Brasil?

Mais uma vez o Brasil teve sua imagem atrelada a possíveis vínculos terroristas. Claro que com situações duvidosas, mas a lógica pode trazer preocupações e atenções para o processo de segurança internacional e defesa nacional do país.

Na semana retrasada aconteceu uma ofensiva contra terroristas da Al Qaeda no Iêmen. O evento que causou a morte de 15 soldados e 12 terroristas, na verdade apresentou um fato muito conhecido da comunidade de inteligência internacional, o uso de passaportes brasileiros em operações criminosas e terroristas. Ainda sem dados oficiais, entre os 12 terroristas mortos, pelo menos um foi identificado como brasileiro, mas ainda não existem provas de que o terrorista morto é brasileiro, ou se estava utilizando um passaporte brasileiro falsificado ou roubado.

Perante a comunidade internacional, o Brasil não é tido como um país com ligações terroristas, além de baixas probabilidades de conexões e ofensivas em seu território, mas na verdade já há algum tempo o Brasil tem apresentado preocupações aos serviços de inteligência, pois os altos indicadores do crime organizado em território nacional e os diversos problemas de segurança nas fronteiras, geram problemas efetivos para conexões mais acirradas com diversos organismos terroristas, principalmente Al Qaeda e Hamas.

Por sinal, em 2011 a Revista Veja fez uma longa matéria sobre o tema de atuação de células terroristas no Brasil, que por sinal, aproveitam das enfraquecidas estruturas de segurança pública para o desenvolvimento e conexão de ações terroristas que possam se “alimentar” do dinheiro do narcotráfico e do próprio contrabando de armas. http://veja.abril.com.br/noticia/internacional/exclusivo-documentos-da-cia-fbi-e-pf-mostram-como-age-a-rede-do-terror-islamico-no-brasil

Uma das maiores preocupações para analistas internacionais e analistas de inteligência em relação ao Brasil, está no fato do país ter uma série de fraquezas institucionais, considerando corrupção política, fraqueza nas instituições de segurança pública, avanço do crime organizado, falta de uma Política Nacional de Inteligência, fraqueza institucional na contra-espionagem (por parte do governo e não do operador), facilidades para lavagem de dinheiro, contrabando de armas, narcotráfico crescente, operadores criminosos em conexão com redes terroristas, entre outros fatores que trazem preocupações ao sistema de inteligência. E devemos considerar, por mais remoto que possa parecer, dois grandes eventos internacionais em curto espaço de tempo.

O terrorismo é uma realidade da história universal, mas lógico que no caso brasileiro não devemos ter paranóia sobre o problema. A grande questão está no fato do Brasil, ou pelo menos a sociedade brasileira, não dar a devida atenção considerando a perspectiva estrutural para combater o problema de forma positivada através da lei. E também, que a lei anti-terror não se confunda com crimes que possam desencadear problemas políticos. Aí no fim, tudo vira terrorismo ou possibilidade para guerra civil.

O Blog EXAME Brasil no Mundo conversou com o especialista em inteligência e relações internacionais, o professor Joanisval Gonçalves, sobre o tema terrorismo e Brasil.

Joanisval Gonçalves é Doutor em Relações Internacionais, especializado em segurança e inteligência. Advogado, é também Professor universitário e Consultor Legislativo do Senado Federal. Possui diversas publicações nas áreas de segurança e inteligência, com destaque para os livros Atividade de Inteligência e Legislação Correlata (Niterói: Impetus, 3a edição, 2013) e Político e Espiões: o controle da atividade de inteligência (Niterói: Impetus, 2010). É responsável pelo blog Frumentariuswww.frumentarius.com . https://www.facebook.com/joanisval.goncalves?fref=ts

Brasil no Mundo: Aprovar uma Lei Anti-Terrorismo no Brasil gera algumas contradições. Primeiro, qual a definição real e prática de terrorismo no conceito de Estado no Brasil, e segundo, se falamos em terrorismo falamos automaticamente em serviços de inteligência, e considerando que o país ainda não definiu sua Política Nacional de Inteligência, na verdade trabalhamos com uma norma desconexa com as práticas de defesa e segurança. Como você vê este cenário?

Joanisval Gonçalves: Certamente, tratar de terrorismo não é algo simples. Há diversas definições de terrorismo, não existindo consenso a respeito de uma definição geral sobre essa prática. Afinal, o que para uns é terrorista, para outros é chamado de “combatente da liberdade”. O que é importante ter em mente é que o terrorismo envolve o uso da violência contra alvos indiscriminados (na maior parte das vezes) com o objetivo de causar pânico e influenciar um processo decisório (geralmente político). No Brasil ainda não existe uma definição legal de terrorismo. No Congresso Nacional tramitam alguns projetos de lei a respeito. Assim, ninguém pode ser preso por terrorismo no Brasil hoje.

No que concerne à relação com a Inteligência, sem dúvida é com Inteligência que se previne, detecta, neutraliza e combate o terrorismo. Infelizmente, no Brasil de hoje parece haver um completo desinteresse do Governo em inteligência. Não há investimentos em nossos serviços secretos, e o trabalho dos profissionais de inteligência brasileiros é visto com preconceito e ignorância, o que é péssimo para o Estado democrático. Essa falta de atenção do Governo em inteligência também fica evidente pela ausência de uma Política Nacional de Inteligência (PNI), documento de extrema importância e norteador das ações de nossos serviços secretos, inclusive na prevenção ao terrorismo. Apreciada pelo Poder Legislativo em 2010, desde aquele ano a PNI permanece pronta para ser publicada pela Presidente da República.

Brasil no Mundo: Na sua opinião, o Brasil tem a ameaça real de Terrorismo? Ou a Lei é mais um instrumento de controle político da sociedade considerando o momento atual e o próprio ano de 2014?

Joanisval Gonçalves: Como sétima economia do globo, e pretensões de ocupar um papel de destaque no sistema internacional, naturalmente o Brasil começa a atrair a atenção do mundo, inclusive de organizações terroristas. Ainda que o Brasil não seja, no momento, um alvo, pode ser palco de atentados contra cidadãos de países que sejam alvo. Com a aproximação de eventos como a Copa do Mundo e os Jogos Olímpicos, receberemos torcedores, delegações e autoridades de países que têm problemas com o terrorismo. Seremos uma grande vitrine para o mundo. As autoridades brasileiras têm sim que estar atentas a eventuais ataques de terroristas em nosso território. Caso contrário, poderemos ser pegos de surpresa.

Brasil no Mundo: É certo uma Lei Antiterrorismo, considerando que já temos uma Lei de Segurança Nacional absorvida na própria Constituição?

Joanisval Gonçalves: A atual Lei de Segurança Nacional (Lei n. 7.170, de 1983), ainda em vigor, trata de atos de terror, mas não de terrorismo propriamente dito. Além disso, muito mudou nesses últimos trinta anos, tanto no Brasil quanto no mundo. De fato, passa da hora de uma revisão na própria Lei de Segurança Nacional. Terrorismo pode até ser incluído entre os crimes previstos nessa Lei, mas o tema  merece atenção mais minuciosa por nossos legisladores.

Brasil no Mundo: A Lei Antiterrorismo não pode criar um ambiente de “terrorismo de Estado”?

Joanisval Gonçalves: As grandes democracias do mundo dispõem de legislação antiterror. Não é uma lei antiterrorismo que pode criar um ambiente de “terrorismo de Estado”. De fato, o terrorismo de Estado é típico de regimes autoritários, e a fragilização de nossas instituições, a ideologização de certas condutas de Estado por parte de autoridades, práticas populistas e intolerância com qualquer discurso ou pensamento dissonante ao daqueles que estão no poder é que podem ser fatores que conduzam o Brasil a um modelo autoritário, no qual o terrorismo pode vir a ser um instrumento de coerção estatal.

Brasil no Mundo: Considerando a efetivação da norma, será que temos estrutura de segurança pública para positivar a norma? 

Joanisval Gonçalves: Uma lei antiterror certamente irá requerer a preparação das autoridades de segurança pública para lidar com a nova norma. Isso envolve investimentos nas instituições de segurança, capacitação de profissionais da área e, ainda, a reestruturação de sistemas e de órgãos estatais. Ademais, é fundamental que se desenvolva no País uma cultura de segurança, planejamento e inteligência.

Brasil no Mundo: Mobilizações com violência, destruição do patrimônio público, utilização de bombas e outros artefatos, ataques contra policiais e invasões são crimes comuns. Na sua opinião, qual motivo leva o Estado a deturpar o conceito de terrorismo?

Joanisval Gonçalves: Em 2013 no Brasil, vivemos acontecimentos espetaculares com a ida às ruas de milhões de brasileiros para protestar, em sua absoluta maioria, pacificamente, contra a situação política, econômica e social em que o País se encontra, bem como para exigir mudanças, em especial de nossa classe política. No meio dessa multidão pacífica, surgiram grupos de vândalos, que tinham por objetivo desestabilizar os protestos, assustar a população e desviar o foco das manifestações. Não me surpreenderia se muitos desses baderneiros tivessem vínculos com partidos e organizações políticas e suas condutas politicamente orientadas.

O Estado, mais particularmente o Governo, teve grande dificuldade de lidar com esse novo fenômeno. É importante diferenciar manifestantes pacíficos de criminosos que vão às ruas para promover o caos, a desordem, destruir o patrimônio público e privado, e impor o terror à população. Feita essa diferenciação, convém registrar que, para esses criminosos, já há legislação que os puna. Necessário, portanto, é a vontade política de reprimir e punir esses bandidos.

Os bandidos que têm promovido os distúrbios pelas ruas do Brasil não são terroristas, ainda que em alguns momentos recorram a técnicas para impor o terror e influenciar o processo decisório. São criminosos comuns politicamente orientados em alguns casos. As autoridades públicas nos mais altos níveis sabem disso. Inadmissível que tentem deturpar o conceito de terrorismo. Afinal, terrorismo é algo muito sério, e muito letal, para ser tratado com objetivos político-partidários e interesses eleitoreiros. Se as autoridades brasileiras não derem mais atenção ao problema da ameaça terrorista, algo de muito ruim pode acontecer. De fato, temos que estar preparados, como Estado e sociedade, para um atentado terrorista em nosso território. Continuo acreditando que não é questão de “se” acontecerá algo, mas “quando” acontecerá. E precisamos estar prontos para lidar profissionalmente com o problema. Caso contrário, de pouco adiantarão as lágrimas de governantes em rede nacional lamentando um atentado.

http://exame.abril.com.br/rede-de-blogs/brasil-no-mundo/2014/05/03/terrorismo-preocupacao-para-o-brasil/