Asilo para quê?

Edward_SnowdenArtigo em que meu amigo Marcos Degaut é coautor. Transcrevo aqui e concordo com a percepção dos articulistas. Temos muito pouco a ganhar e bastante a perder com a concessão de asilo a Edward Snowden.

Brasil e Estados Unidos são parceiros históricos. Claro que essas relações podem e devem se pautar em cooperação equilibrada e respeito mútuo. Trazer o traidor Snowden para nossas terras só vai arranhar mais o relacionamento com os estadunidenses. E trazê-lo para quê?

Ademais, sempre bom lembrar que, para concedermos asilo a esse rapaz, ele teria que entrar em território brasileiro para solicitá-lo, ou seja, teria que sair da Rússia e fazer escala em algum outro país antes de chegar em Pindorama. Aí seria detido. Asilo diplomático só é reconhecido na América Latina.

Ainda não conseguiram me convencer de que esse Edward Snowden não foi é recrutado, e muito bem recrutado, pelos russos. E os russos sabem magistralmente como fazê-lo, com todo o mérito pelo êxito na operação. Afinal, é assim que funciona o jogo. E, entre grandes potências, fundamental é saber jogar…

Folha, 22DEZ2013 – HUSSEIN ALI KALOUT E MARCOS DEGAUT
TENDÊNCIAS/DEBATES
O ASSUNTO É: O DESTINO DE SNOWDEN
 

Uma janela de oportunidades

O Brasil tem muito mais a perder do que a Rússia em sua relação com os Estados Unidos se conceder eventual asilo a Edward Snowden

O caso Edward Snowden ganha um novo capítulo internacional. A manifestação pública do ex-funcionário da inteligência americana vislumbrando lograr asilo político do governo brasileiro é ainda uma hipótese que apenas o próprio autor e seu círculo mais íntimo gostariam de transformar em realidade.

Importantes indagações pairam no ar sobre o impacto dessa hipotética medida: o que o Brasil ganharia com isso? Quais seriam as consequências? A resposta inicial de por que o Brasil deveria conceder-lhe o asilo parece óbvia: coletar dele informações sobre a espionagem norte-americana. Preliminarmente, o Brasil não ganharia muita coisa além de meter-se numa curiosidade perigosa e contraproducente.

O certo é que Snowden não entregará dado algum ao Brasil apenas pela fortaleza de nossa democracia ou em função do respeito que nutrimos pela legalidade internacional. As informações serão dadas a conta-gotas e, inexoravelmente, envolverá batalhas jurídicas se Snowden vier a estar em solo brasileiro.

O ministro das Relações Exteriores, Luiz Alberto Figueiredo, disse tudo. Se o Brasil condenava o “modus operandi” americano em sua política de inteligência, a retaliação e a punição não se conjugariam com o estilo do Brasil de fazer relações internacionais, tampouco figuram como opção no dicionário estratégico da diplomacia brasileira.

Por outro lado, o Brasil não é a Rússia. O Brasil tem muito mais a perder do que a Rússia em sua relação econômica, política e histórica com os Estados Unidos se conceder eventual asilo sob qualquer motivo, ainda que seja o de afrontar o parceiro do Norte ou, mais uma vez, reforçar a independência de sua política externa. Ademais, o Brasil não teria condições de oferecer a Snowden garantias de que não será deportado ou extraditado.

Ao não querer comentar o assunto, a presidente Dilma Rousseff faz o certo. Demonstra altivez em sua conduta e transmite um sinal cristalino de como o país mensura a sua relação com os Estados Unidos e que tratamento espera de um país parceiro, deixando a porta aberta para uma retratação formal por parte do governo Obama.

O ressurgimento do caso Snowden tem o mérito de reacender o debate sobre o futuro das relações Brasil e Estados Unidos. Do ponto de vista pragmático, a interpretação que se aufere é que essa relação histórica não necessita de alinhamento automático e tampouco de subordinação de interesses de lado a lado, mas da compreensão mútua de valores fundamentais.

As duas maiores economias e principais polos de poder nas Américas ainda buscam estabelecer um padrão de equilíbrio no relacionamento bilateral, alçado ao nível de diálogo estratégico.

O anúncio da compra dos aviões de caça Gripen combinado com a manifestação não oficial do Snowden de querer asilo político no Brasil representam, cada um em sua dimensão, uma sutil resposta da diplomacia e defesa brasileiras aos Estados Unidos. São sinais que não devem ser desprezados, mas utilizados como parâmetros do que os países podem ganhar se decidirem construir uma parceria bilateral mais pragmática, cooperativa e eficiente.

HUSSEIN ALI KALOUT, 37, cientista político, é pesquisador da Universidade Harvard.
MARCOS DEGAUT, 43, cientista político, é pesquisador da Universidade Central da Flórida.

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http://www1.folha.uol.com.br/fsp/opiniao/144834-uma-janela-de-oportunidades.shtml