Posso falar mal de Oscar Niemeyer (sempre fiz isso e não é porque ele morreu – morreu mesmo?!? – que vou deixar de fazê-lo). Afinal, nasci em Brasília, estudei e trabalho em prédios projetados por ele… Essa é uma prerrogativa da qual não abro mão. Somente quem conhece as obras de Niemeyer literalmente por dentro sabe que sua funcionalidade é inversamente proporcional ao charme e à beleza do traçado.
O arquiteto que viveu o século XX como ninguém deixou, indiscutivelmente, sua marca… Na política, dizia-se comunista (queria ser comunista como ele), e, para alguns, como bem lembrou minha amiga Tamara Socolik (outra filha de Brasília), o comunismo viveu em Niemeyer mais tempo do que em qualquer outro lugar da Terra. Lembro que ele nasceu 10 anos antes da Revolução de 1917 e passou pela transição exatamente 20 anos após o colapso da União Soviética! O comunismo e o arquiteto parecem ter competido para ver quem era mais longevo… e o velho Oscar ganhou a parada, em que pese o fato de a ideologia continuar existindo em seu coração…
Já ouvi que velhos comunistas nunca morrem – talvez pelo medo de terem que renegar seu ateísmo em outro plano… Aí permanecem na trincheira até o esgotamento absoluto de suas forças. Isso aconteceu com muitos neste último século em que, graças à Providência Divina, as idéias de Marx e seus seguidores perderam-se nos becos da História. De toda maneira, Oscar resistiu muito ao colapso de sua ideologia. Fidel Castro mesmo teria dito que Niemeyer e ele próprio eram os dois últimos comunistas vivos… Agora só sobrou encarnado Fidel que, pelos meus cálculos, deve ter ainda mais uns cento e cinquenta anos pela frente…
Se o velho Oscar tinha um péssimo gosto político, felizmente isso era compensado pelo traço único, pela habilidade em, a partir de algumas linhas e curvas, fazer arte e materializar sonhos. Seu traçado era fascinante, uma prova de que pensamentos poderiam se transformar em realidades de beleza inigualável. Inspirado nas famosas “curvas da mulher amada”, ele reproduzia na pedra as curvas do corpo feminino… e era impossível não se apaixonar por aquelas curvas!
A riqueza da criação de Niemeyer era a prova maior da existência do D’us que ele sempre renegou. Bom, certamente o Criador não deve dar a mínima para o que pensava sua criatura…
Linhas, curvas, arcos… arte! Beleza, leveza, destreza… Isso era o traçado de Niemeyer… E esse traçado vive em Brasília, seu maior legado! Amo Brasília… a cidade que Dom Bosco concebeu, Lúcio Costa idealizou, Niemeyer projetou, e JK, com milhares de candangos obstinados, construiu!
Brasília, com seu céu azul, suas avenidas largas, suas ruas sem esquinas, suas Superquadras… E tudo isso completado pelas obras de Niemeyer! O Congresso, a Catedral, os Palácios… Uma cidade do futuro, com uma beleza que não tem tempo! Não há nada como Brasília!
Quando se apresentar perante o Criador (e isso vai ser muito chato para ele, ateu convicto), o velho Oscar poderá dizer que deixou um grande legado… Um legado único, de uma cidade de formas singulares, no coração de um país rico de diversidade, para uma civilização que um dia se estabelecerá. Deixou traços que, de uma maneira ou de outra, tocam qualquer um que os veja… Poderá dizer que teve êxito na tarefa de levar a beleza aos olhos dos homens e de tocar os corações por meio da arte que fez de cada prédio que projetou um grande monumento.
Certamente, nada de funcional há na maior parte da obra de Niemeyer. Estudar, trabalhar, viver em suas obras é sempre desconfortável. Eu mesmo sempre achei que ele não morreria porque tinha a certeza que passaria todo o resto de seus dias enterrado em um mausoléu que ele próprio projetara!
Não, não esperemos funcionalidade da criação do velho Oscar. Já não basta a beleza e a singularidade? E poderia se esperar algo diferente de alguém que acreditava em coisa tão absurda e surreal como a via comunista?
Seu Oscar viveu bem com sua arte. Seu Oscar deixou sua marca que ainda perdurará por muito tempo e por todo o mundo, já que suas obras podem ser encontradas em todos os continentes. Seu Oscar nunca será esquecido enquanto existir a mais bela cidade que um homem pôde conceber.
Há quem goste e quem desgoste do arquiteto que projetou Brasília. Só não há quem nada sinta diante de suas obras. É impossível ser indiferente às curvas, às linhas e aos arcos de Niemeyer. E, só por isso, já poderia Seu Oscar dizer que sua missão foi cumprida e que seu século foi bem vivido.