Collor, a Rio +20 e o torpor de determinados líderes

Acabou há pouco uma audiência pública, na Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional do Senado, sobre as perspectivas para a Conferência Rio +20, que ocorrerá em junho.  

Entretanto, um dos momentos mais importantes da audiência foi a fala do Presidente da Comissão, Senador Fernando Collor, que cobrou dos líderes mundiais o maior envolvimento com as questões ambientais e a participação na Conferência de junho. Segue o pronunciamento do Presidente Collor, conforme o fizera já na V Reunião da Comissão Nacional Rio+20, ocorrida no último dia 9. Recomendo a leitura do discurso.

Não costumo tratar dessas questões ambientais aqui, mas o pronunciamento do Presidente Collor, cobrando maior comprometimento dos líderes mundiais para com a preservação do meio ambiente e, conseqüentemente, para com o futuro da humanidade, merece destaque. Havia uma grande quantidade de representantes do corpo diplomático na audiência (inclusive vários embaixadores), e acho que eles levarão o recado para seus respectivos países. 

Para o site do governo brasileiro sobre a Conferência, clique aqui.

Pronunciamento do Presidente da Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional do Senado Federal

Senador Fernando Collor

V Reunião da Comissão Nacional Rio+20, Palácio do Itamaraty, 9 de março de 2012

(NOMINATA)

Na última reunião desta Comissão Nacional, realizada no dia 8 de fevereiro, procurei fazer uma avaliação ao que me pareceu ser um documento tímido e desnorteado: o Zero Draft. Na ocasião destaquei os três pontos que considero de maior relevância nas discussões e tratativas da Rio+20, e que ainda me parecem necessário insistir: uma objetiva conceituação  e definição do que venha a ser Economia Verde; a perigosa e delicada questão da Governança Global e, especialmente, o Princípio da Não-Regressão, já consagrado no Direito Humanitário, que deve, pela sua relevância, constar do preâmbulo do texto-base, como aliás, oportunamente propôs em nossa última reunião o Ministro Hermann Benjamin. 

O conceito de “Economia Verde” ainda é objeto de debate e discussão. É mandatório que avancemos para uma definição clara, límpida e cristalina do que se conceitua como Economia Verde, com erradicação da pobreza, inclusão social e baixo carbono, de modo que ela não venha a ser o novo nome dado ao protecionismo comercial.

Quanto à Governança Global, se estabelece um confronto entre as duas opções postas: a que reforça o cunho ambientalista do sistema das Nações Unidas, e outra que propõe a atualização do sistema advogando a eventual criação de uma nova agência, com ênfase na implementação concomitante dos três pilares do Desenvolvimento Sustentável: o ambiental, o social e o econômico. Qualquer das duas opções deverá incluir mecanismos que impeçam a vinculação de temas não-conexos, que importam restrições comerciais ou ao arbítrio de uma eventual agência ou de um eventual órgão que seja criado, o que vulnerabilizaria os países emergentes.

Quanto ao Princípio da Não-Regressão, repito, seu registro está muito aquém do necessário para sua correta explicitação. A tal ponto, que pode ser compreendido por mais de uma vertente. Torna-se, assim, imprescindível que seja um texto claro e indubitável, que inscreva o entendimento de que nenhum novo tratado poderá retroagir para alterar metas, objetivos e direitos acordados. Mais do que isso, de que a comunidade internacional não será tolerante com mudanças e retrocessos nos compromissos assumidos, em especial aqueles contratados a partir da Rio 92, dos quais muitos não foram implementados. Isso significa que começaremos a Rio+20 já com um grande déficit de implementação.

É importante destacar, já transportando para os resultados da Conferência, que suas decisões não poderão sofrer a contaminação de negociações e acordos paralelos aos temas maiores da Rio+20, dada a sua natureza específica e diferenciada que ratificará o papel de vanguarda que  desempenhamos nos últimos 20 anos. Assim, é necessária a iniciativa de se precaver de ingerências indevidas, principalmente no campo de eventuais negociações comerciais e financeiras.

As megaconferências de Estocolmo, em 1972, e a do Rio, em 1992, inflamaram a imaginação das pessoas e espargiram o planeta de esperança para o futuro. Com a Rio+20, a terceira megaconferência, temos uma oportunidade única de replicar aqueles momentos seminais e superar o paradigma predatório em que hoje vivemos. Trata-se, aqui, de evitar um cataclisma. Trata-se da salvação do planeta.

Em função disso, é impensável fazer da declaração final arremedos e pactos do tipo “tit for tat”. Questões ambientais não podem ser utilizadas como moeda de troca em assuntos alheios ou afastados da agenda ambiental. Não se pode admitir essa prática, costumeira em foros outros, numa conferência do porte, da relevância e da peculiaridade da Rio+20.

Chama atenção também que a agenda estabelecida pelas Nações Unidas tenha sido desidratada, desconhecendo temas de importância transcendental que já vêm afetando de há muito nosso cotidiano. Cito apenas as mudanças climáticas, com suas conhecidas causas e os nefastos, visíveis e devastadores efeitos. Será que devemos admitir a prática do avestruz, desprezando que a questão ambiental merece a urgentíssima preocupação global? Há de se determinar, nesta agenda imposta, temas como esse para garantir um verdadeiro debate. A questão climática precede o desenvolvimento sustentável, porque se não tratarmos de resolver os enormes danos causados por ela, não teremos condição de criar qualquer tipo de sustentabilidade.

O sucesso da Rio+20, no qual eu ainda teimo em acreditar, será medido, portanto, pelas decisões a serem tomadas e pelo número de chefes de Estado e de Governo que venham a comparecer. A par disso, confio, sobretudo, na participação organizada e contundente da sociedade civil mundial para a quebra desse terrível paradigma que é o atual padrão de produção e consumo hoje adotado. Sejamos claros: há uma nítida leniência das lideranças dos países em colaborar pelo sucesso da conferência. Ainda há tempo de esses governos e suas autoridades recobrarem os sentidos e despertarem para os problemas urgentes que enfrentamos.

Nenhuma desculpa poderá e nem deverá ser aceita pelo não comparecimento, desde o desfalecido argumento do Sr. Cameron de que o primeiro-ministro britânico não vai a um mesmo país mais de uma vez por ano, até a desculpa de um processo eleitoral em curso, como ocorre nos Estados Unidos. No primeiro caso, esquece-se que a Conferência não é brasileira, mas das Nações Unidas. No caso das eleições, serão os próprios eleitores que exigirão a presença dos candidatos na Conferência, pois querem vê-los defendendo o seu presente e o das gerações futuras.

Acho até, que agora não se trata nem mais de convidar essas autoridades, mas sim de convocá-las, porque a hora é de união! A hora é de ação! Não há tempo para que a ignorância de uns e conveniências circunstanciais de outros prevaleçam.

Espero, sinceramente, que o torpor que permeia certos governos e a lassidão de determinados líderes transforme-se em objetivos para encontrarmos novos modelos e padrões de desenvolvimento. Os que aí estão, nenhum deles responde de forma satisfatória às mais básicas necessidades humanas.

Em suma, é preciso mudar os paradigmas em relação ao processo e ao próprio conceito de desenvolvimento. Instrumentos como o Fundo Climático Verde, criado em 2010, o Mecanismo de Financiamento Internacional (IFF), e o próprio Mercado de Carbono, ambos de 2008, partem do pressuposto de que o padrão, o conceito, os princípios e os critérios de desenvolvimento permanecerão inalterados. Todos os recursos que constituirão esses fundos, Sras. e Srs., e que movimentarão o mercado são ou serão oriundos de um modelo econômico contestado e que desejamos alterar. Portanto, não é essa a discussão. Devemos, sim, tomar a iniciativa de buscar novos parâmetros, uma nova matriz de desenvolvimento sem utilizar os mesmos instrumentos que nada mais fazem do que retroalimentar um processo que não funciona mais. Aqui recorro às palavras do Secretário-Geral da Rio+20, Embaixador Sha Zukang, de que “a Rio+20 precisa mostrar como nós podemos avançar mais rapidamente em direção ao desenvolvimento sustentável, antes que seja tarde demais. (…) Devemos ser ambiciosos e muito práticos. Precisamos de objetivos e de ação.” E ele tem razão quanto à praticidade. Afinal, disse o ex-presidente das Maldivas numa reunião de que ele participou com o rei da Suécia e cientistas: “É, está tudo bem, mas enquanto os senhores discutem o que fazer, meu país está afundando.”

Por tudo isso, desenvolvimento sustentável pressupõe mudança, a transição para um modelo diferente dos atuais padrões a que a Humanidade se acostumou a chamar de “crescimento” nos últimos duzentos anos. Significa, enfim, que os atuais modelos, criadores contumazes de crises institucionais, estão superados, esgotaram sua capacidade de prover bem-estar e necessitam ser substituídos. E essa tarefa não se conclui sem que, antes, mitiguemos os efeitos das mudanças climáticas.

Tendo isso presente, as Nações Unidas precisam elevar o nível de ambição em relação à Rio+20. Além disso, terão uma grande oportunidade de modificar a impressão que a população mundial tem a seu respeito, como um órgão também preocupado em patrocinar ações de potências que se julgam a polícia do mundo. Precisamos, acima de tudo, humanizar a imagem das Nações Unidas.

Vamos então, Sras. e Srs., nos colocar de pé e agir! É isso o que o planeta Terra exige e a população planetária cobra de cada um de nós.

Muito obrigado.